Foto: Célia Azevedo Agência Senado
Pedro Simon (PMDB/RS) pronunciou o seguinte discurso, no Senado Federal, no último dia 12:
Prezado Presidente, obrigado pela gentileza de V. Exª ; Srs. Senadores, no dia 22 de junho, eu subi a esta mesma tribuna, para fazer um apelo diretamente à Senhora Presidenta Dilma Rousseff. A palavra-chave do meu pronunciamento, que eu chamei de carta aberta foi : resistência. Tomei a liberdade de conjugar o verbo resistir no imperativo. Não foi uma ordem, evidentemente. Não me cabe, direta ou indiretamente, ditar procedimentos a uma ilustre Presidente, com uma história tão extraordinária e com um número de votos legítimos que a conduziu ao mais alto cargo da República. Foi, na verdade, um misto de sugestão, eu diria quase um misto de sugestão e de súplica. Mais súplica do que sugestão.
Resista, Srª Presidenta, eu repeti diversas vezes. Resista à corrupção; resista às negociações de coxias; resista à indicação de nomes para ocupar cargos sem a devida chancela da moralidade; resista àqueles que se protegem sob o manto da impunidade. Resista, portanto, a qualquer tipo de desvio, desvio de conduta no uso do sagrado dinheiro público.
Por sugestão do meu irmão e amigo Senador Cristovam Buarque, eu providenciei a publicação do meu texto: Presidenta Dilma: resistir é preciso. Mandei-o, como ele mesmo sugeriu, a muitas pessoas, inclusive à própria Presidente Dilma. Encaminhei o documento aos parlamentares e para parte significativa do Poder Judiciário. Não tinha lhe visto, Senador, mas foi ideia sua e eu obedeci e aos diversos escalões do Poder Executivo.
Espero não ter desperdiçado o meu papel e ter cumprido a minha responsabilidade.
Que bom se consegui, pelo menos, reavivar o debate que, a meu ver, deveria ser desnecessário, se o discurso e a prática não tivessem tomado caminho tão distinto, quando o assunto é a moralidade no tratamento dos recursos públicos.
Até aquele momento da minha pregação pela resistência da nossa Presidenta, não havia, ainda, circulado pela imprensa o caso do Ministério dos Transportes. Se bem que, não raras vezes, a mesma imprensa tem dado conta de que aquele Ministério é useiro e vezeiro no trânsito por estradas políticas sinuosas e com muitos desvios e vários atalhos.
Pois bem, o caso do Ministério dos Transportes parece ter vindo numa sequência metodológica da elaboração da minha tese. A parte prática. O estudo de cada caso.
Quem sabe eu possa considerar aquele pronunciamento como uma espécie de pré-defesa de tese. Hoje, eu vim para defendê-la, depois dos últimos acontecimentos. Para confirmar as minhas hipóteses. Para me submeter à banca de examinadores. Como presidente desta mesma banca a própria Presidenta da República.
O caso do Ministério dos Transportes foi a confirmação de como se deve e, principalmente, como não se deve fazer política. De como se devem e também de como não se devem gerir recursos públicos recolhidos do suor do trabalhador brasileiro e que, cada vez mais, são subtraídos nos gabinetes refrigerados do poder.
Tão logo surgiram as evidências de desvios de conduta, a Presidente determinou o imediato afastamento dos gestores públicos. E que eles se submetam a processos de investigação, para que não paire a impunidade alimentadora da corrupção.
A Presidente da República deve ser, como em poucos outros momentos, senhora da História. Cabe-lhe a escolha da melhor estrada. A estrada dos melhores destinos. Neste momento histórico em que nos encontramos, ela se encontra em uma bifurcação política.
E a minha tese vem exatamente no sentido de que não há dúvida na escolha do melhor caminho. Não pode haver indecisão entre a imoralidade e a moralidade; entre a dor e o remédio; entre o analfabetismo e a mágica das letras; entre o joio e o trigo; entre as trevas e a luz.
A Presidenta Dilma Rousseff, tendo como exemplo prático o Ministério dos Transportes, tem que providenciar a melhor de todas as inaugurações de seu governo: a de um novo modo de fazer política, sob pena de ela própria alterar a sua história.
Não ouso me bater contra indicações políticas de um cenário de administração compartilhada. As indicações políticas são naturais. De poderes independentes, mas harmônicos. Eu sei que não se executa à revelia de quem constrói os caminhos legais, nem de quem os faz percorrer. Não se retira a legitimidade de quem foi eleito para falar em nome do povo. O que eu defendo é que quem manipula o sagrado dinheiro público tem necessariamente de se vestir tão-somente da moralidade incondicional e do conhecimento pleno sobre a questão sobre a qual tem responsabilidade.
A Administração Pública não pode ser loteada. Pior: não pode ser invadida. Pior: não pode ser usucapião de determinados espaços desta Administração. Não se pode apoderar desses espaços e neles edificar obras irregulares, repletas de porões e de coxias.
A Presidente Dilma Rousseff tem, neste momento de sua história e do País, a grande oportunidade de alterar as manchetes que têm atualmente desfilado pelos jornais. Tristes manchetes como "É pegar ou largar", "A via da corrupção", "Crise expõe modelo de troca de cargos e recurso por apoio no Congresso".
A Presidenta deve imaginar, como eu, como será o Brasil sem corrupção. E a corrupção nada mais é do que o fruto da relação promíscua entre o corruptor e o corrupto, concebida e nascida nos gabinetes do poder.
O Brasil sem corrupção não teria os 14 milhões de jovens, adultos e idosos que ainda vivem na escuridão e no analfabetismo. O equivalente a mais de quatro vezes a população do Uruguai. É o correspondente a todos os gaúchos, mais toda a população do Distrito Federal ainda sem combinar tão poucas letras para soletrar uma única palavra!
O Brasil sem corrupção não teria o calvário dos hospitais públicos, onde faltam os mais básicos dos equipamentos e dos materiais cirúrgicos para curetar a dor. Não teria a volta das doenças e das epidemias que imaginávamos apenas nos prontuários de outros idos tempos.
O Brasil sem corrupção não teria a fome que, apesar dos reconhecidos avanços alcançados através de programas tipo o Bolsa-Família e na concepção atual de que um país rico é um país sem pobreza, ainda é o Herodes dos nossos tempos, na poética, mas triste, constatação do "morrer de fome, um pouco a cada dia".
O Brasil sem corrupção não teria tanta emboscada antes dos vinte, na insegurança das grandes cidades, onde, ao sair para o trabalho, não se sabe se a despedida é um tchau ou um adeus definitivo.
O Brasil sem corrupção deixaria de ser tão-somente essa síntese do projeto do Criador e se transformaria, de fato, em uma das mais prósperas nações do universo, sem as nossas imensas disparidades de distribuição pessoais, regimentais, regionais, da renda no nosso País.
É este o País que se coloca agora no horizonte da nossa estrada. Uma estrada sem os desvios da corrupção. É esse o papel mais que relevante da Presidenta Dilma Rousseff, neste seu momento histórico: com o cajado de sua caneta, debelar a corrupção, e apenas nomear gente sobre a qual não paire qualquer dúvida sobre os desvios de conduta. Gente na qual a própria sociedade investiu, através das escolas, das universidades, para que adquirisse conhecimento relativo a todos os segmentos da Administração Pública.
E, como já disse nos pronunciamentos anteriores, se as luzes do poder ofuscarem a ética do escolhido, que ele não continue se protegendo com o `remédio caseiro da impunidade'.
Simples assim: a nomeação é confirmada, só e somente só, se o nomeado tem currículo para melhor desempenhar as suas funções e se não paira sobre ele qualquer dúvida sobre o seu comportamento ético.
Se o nomeado não demonstrar capacidade de execução do que lhe foi atribuído, ou se o poder lhe contaminar na sua conduta moral, que ele seja exonerado de pronto.
Não há que ter impunidade, principalmente no serviço público, onde se trabalha com o recurso gerado pelo suor do cidadão, o mesmo recurso que falta no analfabetismo, na dor, na insegurança, na falta de infraestrutura para gerar emprego, renda e, consequentemente, cidadania.
A atitude da Presidente Dilma Rousseff, ao capitanear uma nova relação com o Congresso Nacional, fará eco nos corredores, nos plenários e, principalmente, nos gabinetes do Senado e da Câmara dos Deputados. Está aí, eu tenho certeza, a melhor semente para cultivarmos, aqui, a necessária reforma política. Uma reforma a partir de um novo modo de fazer política. Não a política dos conchavos, das conveniências, das trocas de favores, da distância entre o discurso e a prática.
Não haverá reforma política, pelo menos a que se imagina necessária, se vingar a relação promíscua onde a moeda é a nomeação do apadrinhado ou a liberação da emenda orçamentária. Se continuar o tal loteamento irregular do poder, repito o que disse naquele dia: o parlamentar, em qualquer nível, tem que votar segundo a sua consciência, e não por conveniência.
Eu tenho consciência de que não se trata de algo de execução fácil para a Presidente Dilma ou por qualquer outro presidente que viesse ou que venha a alcançar essa altitude. Eu sei da força política dos defensores da tal usucapião do poder. Eles montaram verdadeiros latifúndios políticos e cercaram seus domínios com a cerca da chantagem política.
É preciso, portanto, aí, derrubar essa mesma cerca. Trata-se, no caso, de uma invasão de espaço público. Todo o poder emana do povo, como manda a Constituição. E este mesmo poder é exercido por meio de representantes eleitos diretamente na sequência deste parágrafo único do primeiro capítulo constitucional, que fundamenta o Estado democrático, através da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.
À medida que forem resgatados esses espaços públicos, usurpados por aqueles que teimam em se autointitular líderes, ou de propensos interlocutores, não haveria a sanha por fatias do poder e, consequentemente, as nossas discussões também não se moverão, tão somente, por temas específicos, sem uma preocupação com o verdadeiro plano de desenvolvimento nacional.
As grandes questões nacionais não podem ser discutidas no Congresso como se fossem estanques, sem um elo e sem uma lógica. Via de regra, dependendo dos interesses, essas mesmas questões são apropriadas pelos respectivos donos delas próprias.
É preciso destituir, portanto, esses mesmos donos do poder e ligar cada questão aqui discutida à lógica do tal plano de desenvolvimento nacional. Não importa se possamos selecionar, para aprofundar o debate, algumas questões de mais ou menos preocupação com o momento. A reforma tributária, a reforma política, por exemplo. Mas elas não podem ser capturadas por este ou aquele interlocutor ou por um grupo de interesses específicos. As próprias discussões da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 são o melhor exemplo de como melhor exercer o nosso papel de representantes do povo. Nunca se viu tamanha e tão legítima participação popular como naquele tempo da Constituinte. Não é à toa que a nossa Constituição é chamada de Constituição Cidadã.
Se as matérias legislativas forem aprovadas ou rejeitadas pelo Congresso, que seja, apenas e tão somente, por orientação da consciência de cada um de nós. Cada um de nós deverá responder pelas respectivas decisões. Eu tenho certeza de que a imprensa continuará sendo os olhos do cidadão em todos os níveis do poder. E que mudarão, significativamente, as manchetes. E a nossa legitimidade. Para melhor.
Com a palavra, ou com a caneta, a Presidente Dilma Rousseff. E a palavra continua sendo: resistir. Ou, depois das suas últimas decisões, eu diria insistir. Resista às pressões e insista na sua atitude de afastar de seus cargos aqueles sobre quem pairem dúvidas sobre o comportamento ético. Quem sabe seja o melhor dos passos para o Legislativo efetivamente, e legitimamente, legislar. E que o Judiciário, também, efetivamente, faça cumprir as suas leis. Daí, sim, o Executivo vai executar a pavimentação desta estrada, sem desvios, e que nos levará ao País com que tanto sonhamos.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, me referindo a um momento tão grave e tão sério, quando se esperava um terremoto, quando se estava na interrogação do que ia acontecer.
Mas Sua Excelência teve a coragem de agir e de fazer. Pela segunda vez, tirou o que tinha que tirar, e tirou no momento exato. Fez aquilo que, infelizmente, os seus antecessores, o Sr. Lula e o Sr. Fernando Henrique, não souberam fazer em seus respectivos governos.
Ela foi firme, correta, até agora. Praticou? Fez o deslize? Fez o deslize, cai fora! Um era o homem do Lula, homem da confiança. O Sr. Lula veio aqui e disse: Ele não pode sair, ele tem que ficar. Ela tirou.
O outro é agora. Felizmente, eu felicito, primeiro, o nosso Senador Maggi. Teve categoria, muita categoria! Realmente, pelo argumento lógico, pelo bom senso, ele não podia aceitar.
Se é um homem importante, um homem de negócios e tem ligações diretas com a Pasta, se suas empresas estão diretamente ligadas, é evidente que ele, por ser um homem correto, não poderia aceitar.
E a Presidente fez o quê? Indicou o nome que tinha que indicar.
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