segunda-feira, 11 de maio de 2020

A Herança

     Na mesa do vasto aposento que penetrávamos, em serviço de assistência espiritual, jazia gravada em belo cursivo a interessante carta, que passamos a transcrever:




Meu caro Belmiro,

      Parece incrível, mas somente hoje consigo tempo para responder-lhe a carta recebida precisamente há oito meses.
        Perdoe-me a demora.
       Realmente o velho morreu no ano passado; entretanto, apenas agora  pude liquidar o inventário.
     Confirmo a notícia da herança. O montante em dinheiro, que me veio ao domínio é de 180 milhões, mas automaticamente, sou hoje o dono de oito prédios, no valor aproximado de 500 milhões de cruzeiros velhos.
     Isso tudo, somado  às joias que me ficaram, ultrapassa a quantia de 800 mil cruzeiros novos, ou quase um bilhão na moeda antiga.
     E agora meu caro, é tocar para a frente.
     Espero multiplicar o patrimônio quatro vezes, em dois anos.

     Esteja certo disso.
     Sinto muito não atender à sua recomendação. Você insiste comigo, há muito tempo, tanto quanto insistiu com o falecido em assuntos de caridade.
     Não fôssemos  companheiros  de infância e não daria atenção ao caso, no entanto, estimo você suficientemente para deixá-lo sem resposta.
     Aprendi com o velho que a vida vale pelo dinheiro que se tem.
     Você fala em  benefício aos outros, para que venhamos a ser beneficiados, e afirma que, se dermos em bondade e desprendimento aos que sofrem na vida, a vida nos retribuirá em saúde e alegria.
     Não sei onde é que você encontrou tanta teoria bonita para se enfeitar.
     Espiritismo, reencarnação...
     Você, Belmiro, é um poeta. Sempre admirei a sua imaginação. Desde a escoa, você é assim - o notável sonhador, que a gente aplaude, mas não pode seguir. O que sei de mim, é que nada compreendo sem o dinheiro. E dinheiro grande.
     Acompanhei meu avô, prestando-lhe a assistência, durante a minha vida inteira, e não será agora, que vou perder o fruto do meu esforço.
     Não desfalcarei o que tenho e, para defender o que não tenho, não estou disposto a ceder  ne um tostão. Você não é o primeiro amigo a falar-me de beneficência, de missão a cumprir, de solidariedade humana, de mensagens do Além... Acho tudo isto muito bonito, mas para mim, não calha.
     Estive 30 anos -e penso na extensão desse tempo,- 30 anos protegendo o velho e ajudando-o a preservar o que, no fundo, agora é meu. Acredita  que estou relaxando, a ponto de esquecer-me? Não me venha com a história de que meu avô teria falado depois da morte para aconselhar-me.
     Ele, eu estre de poupança, não quereria fazer de mim um mão aberta. 
     Essas conversas de espíritos, meu caro, tem muito de trapaça e bobagem... Os velhacos inventaram as modas e os tolos vão seguindo. Se o vovô quiser dar ordens, que me apareça.
     Não tenho medo de fantasmas.
     Quanto à saúde, estou forte. Ainda não completei 50 anos e somente agora obtive a possibilidade  de viver como quero.
     Estou eufórico, feliz.
     Nunca pratiquei tanta ginástica e com tanto gosto.
     Você e convida a pensar noutro mundo... E eu convido você para mergulhar nos prazeres deste mundo mesmo.


Neneco





     Esta era acarta escrita e assinada pelo cavalheiro simpático que fôramos chamados a prestar auxílio espiritual e cujo corpo  acaba de se cadaverizar por força do violento infarto do miocárdio.
     E a nota mais significativa de todo o episódio é que ele, ao arrancar-se do veículo prostrado em nossa direção, tomou-nos à conta de enfermeiros encarnados e, tropeçando semilúcido, informou-nos para logo de que  se estava doente, não queria seguir  para o hospital sem o talão de cheques.

     Pelo Espírito Irmão X
     Do livro: Marcas do Caminho
     Médium Francisco Cândido Xavier


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