segunda-feira, 5 de março de 2012

Desapego material

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me”. Mateus 19: 2
- Leitura de O ESE, capítulo 16 – Não se pode servir a Deus e a Mamon – Item 14 – Desprendimento dos Bens Materiais - Lacordaire, Constantina, Alger, 1863, páginas 188 e 189
- A História de Jó (Velho Testamento)
  1. JÓ É EXPERIMENTADO NOS SEUS BENS
Em Hus, terra da Arábia, vivia um homem chamado Jó, reto, justo, e afastado do mal. Tinha 7 filhos e 3 filhas; possuía grandes rebanhos de ovelhas, camelos, bois e jumentos, além de muitos criados. Era homem muito considerado em todo o Oriente.
Deus experimentou-o na perda dos seus bens. Um dia, chegou um mensageiro e disse a Jó: "Andavam os bois a lavrar e a jumentas a pastar junto deles e eis que surgiram os sabeus e os levaram. Passaram à espada os criados. Só escapei eu para vos trazer esta notícia"
Falava ainda quando chegou outro mensageiro que disse: "Os caldeus lançaram-se sobre os camelos, levaram-nos e trucidaram todos os criados. Só escapei eu para vos trazer esta notícia".
Enquanto este falava, entrou outro mensageiro dizendo: "Os vossos filhos e filhas estavam a comer e beber em casa do irmão mais velho. De repente desencadeou-se um violento furacão vindo do deserto. Sacudida de todos os lados, a casa desabou sobre eles e esmagou a todos. Só eu escapei para vos anunciar esta triste notícia".
Então Jó levantou-se, rasgou as vestes e, raspada a cabeça, prostrou-se por terra e adorou o Senhor, dizendo: "O Senhor deu, o Senhor tirou. Como foi do agrado do Senhor, assim se sucedeu. Bendito seja o nome do Senhor!". Jó não pecou em nenhuma destas coisas, nem pronunciou nenhuma palavra insensata contra Deus.
  1. JÓ É EXPERIMENTADO NA SUA SAÚDE
Jó então foi ferido com uma lepra horrível, que o cobriu desde a planta dos pés até ao alto da cabeça. E Jó tirava o pus de suas úlceras com um pedaço de telha. Dizia-lhe a mulher: " Ainda estás firme na tua piedade?". Ele respondia: "Falas como mulher insensata. Se recebemos os bens da mão de Deus, por que não receberemos também os males?".
  1. JÓ PERMANECE FIEL A DEUS
Alguns amigos de Jó ousaram afirmar que Deus o castigava por causa dos seus pecados. Mas Jó disse: "Ainda que Deus me matasse, confiaria sempre nele. Eu sei que o meu Redentor vive e que no último dia ressurgirei da terra; serei novamente revestido do meu corpo e na minha carne verei o meu Deus. Sim, eu mesmo o verei e os meus olhos o hão de contemplá-lo. Esta esperança repousa no meu coração".
  1. DEUS DÁ A JÓ O DOBRO DOS BENS PERDIDOS
Deus restituiu o dobro de tudo que ele possuía. Deu-lhe também sete filhas e três filhos. Jó viveu ainda 140 anos e viu os filhos dos seus filhos até a quarta geração.
Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro aí estará também o vosso coração” (Mateus 6: 19 a 21).
O divino Mestre, ensina, desse modo, que é preciso desapegar-se dos bens materiais para conquistar os bens espirituais. Na verdade, ao regressar para a pátra espiritual niguém leva absolutamente nada do patrimônio material que construiu sobre a Terra, nem mesmo o seu próprio corpo físico, que é reabsorvido pela natureza no processo de decomposição. É imperioso, portanto, que busquemos os bens espirituais para não chegarmos ao “outro lado” de mãos abanando. Afinal, qundo transpomos a porta do túmulo não  nos perguntam o que juntamos na Terra, os títulos que conquistamos , mas o bem que fizemos, as lágrimas que enxugamos, as dores que aliviamos. Estes tesouros “as traças não roem, a ferrugem não consome e os ladrões não roubam”, como disse o próprio Cristo.
Condenando a avareza e reafirmando a necessidade do desapego aos bens materais, Jesus contou a seguinte parábola:
“ A propriedade rural de um homem rico tinha produzido com abundância e ele dizia para si mesmo:
- Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse:
- Derrubarei os meus celeiros e construirei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas produções e os meus bens: e direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga.
Mas Deus lhe disse:
- Louco, esta noite pedirão a tua alma; e o que tens preparado para quem será?
Assim é aquele que para si junta tesouros e não é rico para Deus”. (Lucas 12: 16 a 21)
O ensinamento presente nessa parábola está cristalino: não se deve juntar tesouros materiais sem, ao mesmo tempo, reunir tesouros espirituais, porque Deus pode chamar-nos a qualquer momento e quem não tiver se preparado espiritualmente será pego de surpresa em posição desfavorável para conquistar situação melhor no mundo invisível. De que adianta, portanto, alguém preocupar-se apenas em juntar fortuna, esquecendo os bens espirituais, se não conseguir desfrutar dela? Afinal, além da possibilidade sempre presente da morte repentina, ninguém levará nenhum centavo quando chegar o momento da libertação do espírito.
Através da mensagem ditada em Genebra em 1860, o espírito Pascal disse, a propósito: “ O homem não possui de seu senão o que pode levar deste mundo. O que encontra ao chegar e o que deixa ao partir, goza durante a sua permanência na Terra; mas uma vez que é forçado a abandoná-lo, dele não tem senão o gozo e não a posse real. Que possui ele, pois? Nada daquilo que é para uso do corpo, tudo o que é de uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais, eis o que faz  e o que leva, o que não está no poder de ninguém lhe tirar, o que lhe servirá mais ainda no outro mundo do que neste; dele depende ser mais rico em sua partida do que em sua chegada, porque daquilo que tiver adquirido em bem depende a sua posição futura. Quando um homem vai para um país distante, leva na bagagem objetos úteis no pais; mas não carrega aqueles que lhe seriam inúteis. Fazei, pois o mesmo para a vida futura e fazei provisão de tudo o que poderá nela vos servir.”
Mateus (19: 16 a 24) relata a seguinte passagem na vida de Cristo:
“E eis que, aproximando-se dele, um jovem disse-lhe:
- Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?
E ele lhe disse:
- Por que me chamais bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres , porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.
Disse-lhe ele:
- Quais?
E Jesus respondeu:
- Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho; honrarás teu pai e tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe o rapaz:
- Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade. Que me falta ainda?
Disse-lhe Jesus:’
- Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o os pobres, e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me .
E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. Disse, então, Jesus aos seus discípulos:
- Em verdade vos digo que é difícil um rico entrar no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entar um rico no reino de Deus.
A riqueza é uma prova tão ou mais difícil do que a pobreza. A fortuna, dada a quem assumiu na Espiritualidade  o compromisso de usá-la em favor dos menos favorecidos , acaba conduzindo o seu proprietário invigilante a excessos, aos abusos dos prazeres da matéria, desviando-se do caminho antes traçado. E o fracasso se torna inevitável. Daí porque Jesus disse que: “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que o rico entrar no reino de Deus”. Não que a riqueza seja uma coisa ruim, desagradável a Deus, mas porque muitos dos que detêm a fortuna se deixam dominar pelo orgulho, pela vaidde, pelo egoísmo, pelo poder, pela avareza e pelos abusos, fracassando em sua prova. O mal, portanto, não está na riqueza, mas no apego a ela.
Allan Kardec assim interpretou essa história:
“Quando Jesus disse ao jovem que o interrogou sobre os meios de ganhar a vida eterna para desfazer-se dos seus bens não entendia como princípio absoluto que cada um deva se desfazer daquilo que possui e que a salvação só tem esse preço, mas mostrar que o apego aos bens terrestres é um obstáculo à salvação. Esse jovem, com efeito, se acreditava quite porque tinha observado certos mandamentos e, todavia, recua ante a idéia de abanonar seus bens; seu desejo de conseguir a vida eterna não ia até esse sacrifício.
A proposta que Jesus lhe fez era uma prova decisiva para ele por a descoberto o fundo do seu pensamento; ele podia, sem dúvida, não fazer mal a ninguém, não maldizer seu próximo, não ser orgulhoso, honrar ao seu pai e à sua mãe, mas não tinha a verdadeira caridade, porque sua virtude não ia até a abnegação. Eis o que Jesus quis demonstrar : era uma aplicação do princípio: Fora da caridade não há salvação.”
Sócrates já dizia: “ A riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza não ama nem a si, nem o que está em si, mas a uma coisa que lhe é ainda mais estranha que aquela que está em si”.
Segundo Lucas (16:13), Jesus disse aos seus discípulos: “ Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom”.  O mestre ensina que é impossível amar a Deus e a riqueza (Mamom) ao mesmo tempo, porque quem ama a riqueza tem apego aos bens materiais e, portanto, está distanciado dos bens espirituais. Quem não em consciência da condição de usufrutuário de um bem, concedido por Deus, a fortuna, que lhe pode ser retirada a qualquer momento, permite que ela excite suas paixões  e se torne escravo dos vícios. A riqueza, por isso, é uma prova muito perigosa para quem a pede ainda em espírito pensando em acelerar a sua evolução.
O espírito Lacordaire, em mensagem ditada em Constantina, em 1863, disse a respeito: “Sabei vos contentar  com pouco. Se sois pobre, não invejeis os ricos, porque a fortuna não é necessária à felicidade; se sois ricos, não esqueceis que esses bens vos são confiados e que devereis justificar o seu emprego, como sendo seus tutores. Não sejais depositários infiéis, fazendo-os servir à satisfação do vosso orgulho e da vossa sensualidade: não vos creiais no direito de dispor, unicamente para vós, daquilo que não é senão um empréstimo e não uma doação. Se não sabeis restituir, não tendes o direito de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres se quita da dívida que contrai com Deus.”
Em Mateus (6:31 a 34) Jesus deixa bem claro que ninguém deve preocupar-se excessivamente com as coisas materiais, até mesmo as necessárias à sua sobrevivência, porque Deus sabe do que precisamos e se buscarmos as coisas espirituais tudo o mais nos será dado por acréscimo:
“Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou beberemos ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas. Mas buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas cisas vos serão acrecentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”.
Jesus recomenda, portanto, que devemos desenvolver esforços para nos espiritualizar, pois desse modo as coisas mateiria de que necessitamos virão a nós de alguma maneira. Isso não significa, no entanto, que devemos ficar de braços cruzados, só orando, esperando que as coisas caiam do céu, porque tal comportamento, além de provocar a preguiça  e a ociosidade, certamente contraria todas as leis de Deus e dos homens. Não. O que o Cristo disse é que nao devemos voltar-nos exclusivamente para a materialidade, deixando de lado as coisas espirituais. Ou seja, ao mesmo tempo em que buscarmos o sustento do corpo, através do trabalho digno e honrado, devemos também buscar o alimento do espírito, fazendo nossas orações, entrando em comunhão com o Pai Maior e estreitando nossos laços com a Espiritualidade superior, porque tal intercâmbio nos deixa mais conscientes da nossa missão ou prova e, portanto, mais serenos para enfrentar os percalços do caminho. O Evangelho é a estrada segura que nos conduzirá ao Reino dos Céus.
Palestra a ser proferida hoje às 20 horas, no Centro de Estudos Espíritas Allan Kardec, no Balneário de Ubatuba, em São Francisco do Sul, SC, por Véra Regina Friederichs

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