quarta-feira, 28 de março de 2012

A Culpa

         Antônio Roberto Soares
                                              Psicólogo

Por detrás de nossas tristezas e frustrações, de nossas insatisfações na vida, de nossos tédios e angústia, está um sentimento, o mais arraigado em nosso comportamento e responsável por grandes sofrimentos psicológicos, que é o Sentimento de Culpa. O sentimento de culpa é o apego ao passado, é uma tristeza por alguém não ter sido como deveria ter sido, é uma tristeza por ter cometido algum erro que não deveria ter cometido. O núcleo do sentimento de culpa são estas palavras: "Não deveria...". A Culpa é a frustração pela distância entre o que nós fomos e a imagem de como nós deveríamos ter sido. Nela consiste a base para a auto-tortura. Na culpa, dividimo-nos em duas pessoas: uma real, má, errada, ruim e uma ideal, boa, certa e que tortura a outra. Dentro de nós processa-se um julgamento em que o Eu ideal, imaginário, é o Juiz e o Eu real, concreto, humano, é o Réu. O Eu ideal sempre faz exigências impossíveis e perfeccionistas. Assim, quando estamos atorment ados pelo perfeccionismo, estamos absolutamente sem saída. Como o pensamento nos exige algo impossível, nunca o nosso Eu real poderá atendê-lo. Este é um ponto fundamental.
Muitas pessoas dedicam a sua vida a tentar realizar a concepção do que elas devem ser, em vez de se realizarem a si mesmas. A diferença entre auto-realização e realização da imagem de como deveríamos ser é muito mais importante. A maioria das pessoas vive apenas em função da sua Imagem Real e este é um instrumento fenomenal para se fazer o jogo preferido do neurótico: a auto-tortura, o auto aborrecimento, o auto-castigo, a autopunição, a culpa.
Quanto maior for a expectativa a nosso respeito, quanto maior for o modelo perfeccionista de como deve ser a nossa vida, maior será o nosso sentimento de Culpa. A culpa é a tristeza por não sermos perfeitos, é a tristeza por não sermos Deus, por não sermos infalíveis; é um profundo sentimento de orgulho e onipotência; é uma incapacidade de lidar com o erro, com a imperfeição; é um desejo frustrado; é o contato direto com a realidade humana, em contraste com as suas intenções perfeccionistas, com os seus pensamentos megalomaníacos a respeito de si mesmo. E o mais grave é que aprendemos o sentimento de culpa como virtude!
A culpa sempre se esconde atrás da máscara do auto-aperfeiçoamento como garantia de mudança e nunca dá certo. Os erros dos quais nos culpamos são aqueles que menos corrigimos. A lista de nossos "pecados" no confessionário é sempre a mesma. A Culpa, longe de nos proporcionar incentivo ao crescimento, faz-nos gastar as energias numa lamentação interior por aquilo que já ocorreu, ao invés de as gastarmos em novas coisas, novas ações e novos comportamentos. Por isto mesmo, em todas as linhas terapêuticas, este é um sentimento considerado doentio. Não existe nenhuma linha de tratamento psicológico que não esteja interessado em tirar dos seus pacientes o sentimento de culpa. A culpa é um auto-desprezo, um auto-desrespeito pela natureza humana, nos seus limites e na sua fragilidade. A culpa é uma vingança de nós mesmos por não termos atendido a expectativa de alguém a nosso respeito, seja esta expectativa clara e explícita, ou seja uma expectativa interiorizada no decorrer da nossa vida. Por isto é que se diz que, ao nos sentirmos culpados, estamos alienados de nós mesmos e a nossa recriminação interna não é, nem mais nem menos, do que vozes recriminatórias dos nossos pais, nossas mães, nossos mestres ou outras pessoas ainda dentro de nós.
Mas aquilo que nos leva a esse sentimento de culpa, aquilo que alimenta esta nossa doença autodestrutiva são algumas crenças falsas. Trabalhar o sentimento de culpa é, primordialmente, descobrir as convicções falsas que existem em nós, aquelas verdades em que cremos que são errôneas e nos levam a este sentimento. A primeira delas é a crença na possibilidade da perfeição. Quem acredita que é possível ser perfeito, quem acha que está no mundo para ser perfeito, quem acha que deve procurar na sua vida a perfeição, viverá necessariamente atormentado pelo sentimento de culpa. A expectativa perfeccionista da vida é um produto da nossa fantasia, é um conceito alienado de que é possível não errar, que é possível viver sem cometer erros.
Quanto maior for a discrepância entre a realidade objetiva e as nossas fantasias, entre aquilo que podemos nos tornar através do nosso verdadeiro potencial e os conceitos idealistas impostos, tanto maior será o nosso esforço na vida e maior a nossa frustração. Respondendo a esta crença opressora da perfeição, atuamos num papel que não tem fundamento real nas nossas necessidades. Nós nos tornamos falsos, evitamos encarar de frente as nossas limitações e desempenhamos papéis sem base em nossa capacidade. Construímos um inimigo dentro de nós, que é o ideal imaginário de como deveríamos ser e não de como realmente somos. Respondendo a um ideal de perfeição, nós desenvolvemos uma fachada falsa para manipular e impressionar os outros.
É muito comum, no relacionamento conjugal, marido e mulher não estarem amando um ao outro e, sim, amando a imagem de perfeição que cada um espera do outro. É claro que nenhum dos parceiros consegue corresponder a esta expectativa irreal e a frustração mútua de não encontrar a perfeição gera tensões e hostilidades, e um jogo mútuo de culpa. Esta situação se aplica a todas as relações onde as pessoas acreditam que amar o outro é ser perfeito. Quando voltamos para nós exigências perfeccionistas, dividimo-nos neuroticamente para atender ao irreal. Embora as pessoas acreditem que errar é humano, elas simplesmente não acreditam que são humanas! Embora digam que a perfeição não existe, continuam a se torturar e a se punir e continuam a torturar e a punir os outros por não corresponderem a um ideal perfeccionista do qual não querem abrir mão.
Outra crença que nos leva à Culpa, esta talvez mais sutil, mais encoberta e profunda em nossa vida é acreditarmos que há uma relação necessária entre o Erro e a Culpa. É a vinculação automática entre erro e culpa. Quase todas as pessoas a quem temos perguntado de onde vêm os seus sentimentos de culpa nos respondem taxativamente que vêm de seus erros. Acreditamos que a culpa é uma decorrência natural do erro, que não pode, de maneira alguma, haver erro sem haver culpa. Se acreditamos nisto, estamos num problema insolúvel. Ou vamos passar a vida inteira tentando não errar para não sentirmos culpa e isto é impossível porque sempre haverá erros em nossa vida ou então passaremos a vida inteira nos sentindo culpados porque sempre erramos. Essa vinculação causal entre erro e culpa é profundamente falsa. A culpa não decorre do erro, mas da maneira como nos colocamos diante do erro; vem do nosso conceito relativo ao erro, vem da nossa raiva por termos errado. Uma coisa é o erro, outra coisa é a culpa; erros são erros, culpa é culpa. São duas coisas distintas, separadas, e que nós unimos de má fé, a fim de não deixarmos saída para o nosso sentimento de culpa. O erro é o modo de se fazer algo diferente, fora de algum padrão.
O que é chamado erro é a saída fora de um modelo determinado, que pode ser errado hoje e não amanhã, pode ser errado num país e não ser errado em outro. A culpa é um sentimento, vem de nós, vem da crença de que é errado errar, que não podemos errar, que devemos ser castigados pelas faltas cometidas; crença de que a cada erro deve corresponder necessariamente um castigo, de que a cada falta deve corresponder uma punição. Aliás, o sentimento de culpa é a punição que damos a nós mesmos pelo erro cometido. Não é possível não errar, o erro é inerente à natureza humana, ele é necessário a nossa vida. Na perfeição humana está incluída a imperfeição. Só crescemos através do erro.
As pessoas confundem assumir o erro com sentir culpa. Assumir o erro é aceitar que erramos, é nos responsabilizarmos pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Mas quando acreditamos que a culpa decorre do nosso erro, tentamos imputar a outros a responsabilidade dos nossos erros, numa tentativa infrutífera de acabar com a nossa culpa.
A propósito do erro, há um texto interessantíssimo no livro "Buscando Ser o que Eu Sou", de Ilke Praha, que diz: "O perfeccionismo é uma morte lenta. Se tudo se cumprisse à risca, como eu gostaria, exatamente como planejara, jamais experimentaria algo novo, minha vida seria um repetição infinda de sucessos já vividos. Quando cometo um erro vivo algo inesperado. Algumas vezes reajo ao cometer erros como se tivesse traído a mim mesmo. O medo de cometer erros parece fundamentar-se na recôndita presunção de que sou potencialmente perfeito e de que, se for muito cuidadoso, não perderei o céu. Contudo, o erro é uma demonstração de como eu sou, é um solavanco no caminho que tracei, um lembrete de que não estou lidando com os fatos. Quando der ouvidos aos meus erros, ao invés de me lamentar por dentro, terei crescido". Este é o texto.
Algumas pessoas nos perguntam: "Mas como avançar em relação a este sentimento, como arrancar de mim este hábito de me deprimir com os erros cometidos?". Só existe uma saída para o sentimento de culpa. Façamos uma fantasia: Imaginemos por um instante que estamos à morte e nossos sentimentos deste momento são de angústia, tristeza e frustração por todos os erros cometidos, por tudo o que deveríamos ter feito e não fizemos; remorsos pelos nossos fracassos como pai, como mãe, como profissional, como esposo, como esposa, como religioso, como cidadão, mas, ao mesmo tempo, estamos com um profundo desejo de morrer em paz, de sair desse processo íntimo de angústia e morrer tranquilos. Qual a única palavra que, se pronunciada neste momento, sentida com todo coração, teria o poder de transformar a nossa dor em alegria, o nosso conflito em harmonia, a nossa tristeza em felicidade? Somente uma palavra tem essa magia. A palavra é: Perdão.
O Perdão é uma palavra perdida em nossa vida. O primeiro sentimento que se perde no caminho da loucura é o sentimento de perdão, o sentimento de Auto-Perdão. Se a culpa é a vergonha da queda, o auto-perdão é o elo entre a queda e o levantar de novo. O auto-perdão é o recomeço da brincadeira depois do tombo: "Eu me perdôo pelos erros cometidos, eu me perdôo por não ser perfeito, eu me perdôo pela minha natureza humana, eu me perdôo pelas minhas limitações, eu me perdôo por não ser onipotente, por não ser onipresente, por não ser onisciente, eu me perdôo por...". O perdão é sempre assim mesmo, é pessoal e intransferível.
O perdão aos outros é apenas um modo de dizermos aos outros que já nos perdoamos. Perdoarmo-nos é restabelecer a nossa própria unidade, a nossa inteireza diante da vida, é unir outra vez o que a culpa dividiu, é uma aceitação integral daquilo que já aconteceu, daquilo que já passou, daquilo que já não tem jeito; é o encontro corajoso e amoroso com a realidade.
Somente aqueles que desenvolveram a capacidade de auto-perdão conseguem energia para uma vida psicológica sadia. A criança faz isto muito bem. O perdão é a própria aceitação da vida do jeito que ela é, nos altos e nos baixos. O auto-perdão é a capacidade de dizer adeus ao passado, é a aceitação de que o passado é uma fantasia, é apenas saber perder o que já está perdido. O auto-perdão é um sim à vida que nos rodeia agora, é uma adesão ao presente, à única coisa viva que possuímos, que são nossas possibilidades neste momento. Não podemos abraçar o presente, a vida, o passado e a morte ao mesmo tempo. O perdão é uma opção para a vida, o auto-perdão é a paciência diante da escuridão, é o vislumbre da aurora no final da noite. O auto-perdão é o sacudir da poeira, é a renovação da autoestima e da alegria de viver, é o agradecimento por sabermos que mais importante do que termos cometido um erro é estarmos vivos, é estarmos presentes.
Para encerrar este tema, quero sugerir-lhes uma reflexão sobre este texto escrito por Frederick Pearls: "Que isto fique para o homem! Tentar ser algo que não é, ter idéias que não são atingíveis , ter a praga do perfeccionismo de forma a estar livre de críticas, é abrir a senda infinita da tortura mental. Amigo, não seja um perfeccionista. Perfeccionismo é uma maldição e uma prisão. Quanto mais você treme, mais erra o alvo. Amigo, não tenha medo de erros, erros não são pecados, erros são formas de fazer algo de maneira diferente, talvez criativamente nova. Amigo, não fique aborrecido por seus erros. Alegre-se por eles, você teve a coragem de dar algo de si".

terça-feira, 27 de março de 2012

A Alegria

   

     Antônio Roberto Soares
                                                Psicólogo

Um dos aspectos psicológicos que mais interesse nos tem despertado nos últimos anos é a Depressão. Estima-se que existam no Brasil pelo menos seis milhões de deprimidos crônicos, sem se falar nos vários milhões de deprimidos comuns. A Depressão é uma desvitalização, é uma perda de interesse pelas pessoas e pelas coisas, é um estado de prostração e desânimo diante da vida, é um sentimento de inutilidade e insignificância de tudo. A Estafa é o nome mais comum dado às nossas depressões existenciais. É uma forma de cansaço mais agudo, físico e mental.
A Estafa ou Depressão é a perda da nossa energia. Entenderemos melhor a estafa vinculada ao conceito de energia. A ausência de energia é a incapacidade para a ação. Nos nossos momentos depressivos, a vontade mais clara é a de não fazer nada, é a incapacidade para a vivência, para o contato com o mundo em movimento. Modernamente, um dos maiores problemas que acometem o homem é a sua incompetência para lidar com a sua própria energia. É a perda abusiva, contínua e excessiva da sua energia.
Na Estafa há dois pólos: há uma perda, e por isso, se diz que a pessoa está esgotada, mas há também um polo de saturação e de excesso. Excesso de preocupações, explicitado sobretudo através da ansiedade, da pressa e das tensões. A pressa é uma movimentação excessiva do nosso corpo em busca do futuro; é a vontade de que o mundo faça acontecer algo "para ver o que vai dar"; é a vontade no corpo de que o desconhecido se torne conhecido antes da hora; é a tensão corporal para um perigo que possa vir, a preparação do corpo para uma luta.
Na Estafa há um máximo e um mínimo, as tensões e preocupações e a sua correspondente posterior, que é a depressão, em maior ou menor grau. Todos nós possuímos uma energia de vida, uma energização pessoal, que nos move à ação e que possibilita estarmos presentes à realidade viva da existência, tornando-nos aptos para a relação com o mundo. Quando, eventualmente, devido a alguns fatores, perdemos contato com essa energia individual, sentimo-nos deprimidos e estafados. E qual é o nome desta Energia Vital que, se é perdida constantemente e não é recuperada, nos faz cair em estafa? Qual é o nome desta energia individual que nos foi dada de graça, de presente, que nos é inata, e cuja perda mos conduz a um estado de sofrimento?
Alguns a chamam de Paz, de Vida Interior, de Harmonia, de Amor, de Entusiasmo, de Motivação, de Equilíbrio, de Sentimento, de Espontaneidade, de Simplicidade e de Naturalidade. Mas, há um nome que congrega todos estes aspectos, um nome que é a síntese de todos estes modos de estar. Esta nossa energia vital chama-se Alegria.
Alegria é a nossa energia de vida e, se a perdemos constantemente, e não sabemos recuperá-la, isto nos faz cair em estafa. Todas as pessoas estafadas apresentam algo em comum: estão tristes, perderam a alegria de viver, a alegria de estar na existência, a alegria de saborear o movimento do mundo. Alguns dirão: "Mas nós ficamos alegres ou não, de acordo com as circunstâncias, de acordo com os acontecimentos!" Aí é que está. Numa sociedade competitiva, transferirmos para os outros a determinação da nossa energia vital, é convidarmo-nos ingenuamente para o caminho depressivo, é entregarmos nossa alma ao diabo! A Alegria é um processo interior, íntimo, de dentro para fora e não de fora para dentro. A Alegria é um processo pessoal, inalienável e intransferível. Cada um de nós é o único responsável pela administração da sua própria energia. E a Alegria não cai do céu, não é algo que aconteça por acaso. Ela tem de ser plantada, adubada, regada, tratada e colhida. E novamente plantada, adubada , regada, tratada e colhida.
A Alegria nasce da integral disposição íntima diante da vida. Ela não nos é dada por ninguém, ela já é nossa, é um dom da vida. Somos nós mesmos vivendo. É ela o nosso sim à vida. A alegria não é simplesmente o riso - o riso é apenas um fruto dela. A alegria é um processo íntimo de contato com o Universo.
Mas, como podemos evitar a perda de nossa energia vital? Como podemos recuperá-la depois de a termos perdido? Em todos os temas da série Desenvolvimento Comportamental, do primeiro ao último, nós só tratamos deste assunto - o único tema destas mensagens é o tema da Alegria. Quando falamos no medo de perder e na vontade de ganhar e que o medo de perder nos faz tristes pela possibilidade da perda e a vontade de ganhar desperta a nossa alegria pela possibilidade de ganho. Quando assinalamos as posturas da vítima e do herói é porque são comportamentos vitais que nos levam à depressão. Quando dissemos que convém nos perdoarmos pelo passado, é porque a culpa é uma tristeza pelo erro e o auto-perdão é a recuperação da alegria. E se a inveja é a tristeza em nós mesmos por não sermos como os outros, a auto-comparação é o mecanismo para nos devolver a energia, a alegria perdida.
Mas somos muito espertos na perda de nossa alegria. São muito elaborados os jogos que aprendemos no relacionamento humano, responsáveis pela perda da nossa energia vital. Um dos jogos é o Jogo da Razão. Consiste em nos relacionarmos com as outras pessoas com o objetivo de termos razão: "Eu tenho razão. Você não tem razão. Eu é que tenho razão!". Como se a coisa mais importante para nós fosse ter razão. É a disputa constante para ver quem é o melhor, o mais inteligente, o mais entendido, o mais certo, o mais esperto. É a supremacia da discussão sobre a Reflexão. É o perde-ganha no relacionamento humano. Este mecanismo mina nossas energias no relacionamento e, no final, um tem razão ou os dois têm razão e não chegam a nada - estão tristes e frustrados. Outro jogo, já refletido nestas mensagens, é o jogo da infelicidade, é o Jogo da Vítima. Ele ocorre quando transformamos nossa vida num muro de lamentações, quando usamos a tristeza como forma de manipulação do ambiente, quando trocamos a nossa Alegria pela loucura do controle.
Finalmente, um terceiro jogo, responsável pela perda da nossa motivação vital, é o Jogo da Renúncia. Este jogo consiste em abrirmos mão das coisas que nos são importantes, que são adubos para a nossa alegria interior, em favor de alguém e em nome do amor, para depois, deprimidos, dizermos: "Se não fosse por você, se não tivesse feito isto por você, eu seria feliz. Você é o culpado por eu não estar bem!". No jogo da renúncia há uma incapacidade de se dizer Não Há um desejo onipotente de se dizer sempre Sim, ainda que seja falso. Há um desejo de parecer sempre bom, mesmo não sendo verdadeiro.
Existe uma grande diferença entre o Amor e o favor. No Amor, fazemos para os outros o que nós podemos e queremos fazer, tirando alegria do próprio ato de querer e de fazer, pois estamos realizando nossa opção. A doação, neste caso, nasce dentro de nós, como transbordamento, expressando a nossa meneira de estar naquele momento. É um ato de devoção. O favor, por outro lado, ocorre quando fazemos ou deixamos de fazer algo, sacrificando-nos. É quando nos matamos para satisfazer alguém, quando a opinião de alguém é mais importante do que a nossa ao determinar o que queremos e o que podemos. Sacrificar-se é tornar-se sagrado para o outro. Através do sacrifício, transformamos o ato espontâneo de Amor numa obrigação, para sermos adorados por aqueles a favor dos quais renunciamos. O sacrifício é o maior de todos os apegos, porque no seu bojo há um desejo camuflado de comprar o coração do outro.
Quando agimos por Amor, jamais alguém será ingrato conosco na nossa vida, pois no Amor verdadeiro não há espaço para a ingratidão. Mas no amor falso da renúncia, há sempre a figura da ingratidão. Chamamos de ingrata àquela pessoa a quem prestamos um favor e que, na hora de cobrar, não nos quer pagar. Ingratos para nós têm sido aqueles que não se venderam, que não se prostituíram por nosso favor.
A renúncia, que se pretendia constituir Amor, é uma distorção cultural. Acredita-se no amor como sendo proteção, como substituição ao outro, o grau de sacrifício como prova do grau de amor, como se Amor tivesse grau. Diz Milbert Newman no seu livro "Seja Você Mesmo Seu Melhor Amigo": "Você pode ver claramente a diferença entre Amor e o que aparentemente é amor nas relações entre pais e filhos. O pais sempre afirmam que estão agindo por amor aos filhos. Mas é fácil ver que não estão. Quando um dos pais se sacrifica por um filho, você sabe que há algo errado, pelo modo como a criança reage. Ela se sente culpada, porque o que obteve não foi por Amor, mas por abnegação. Ninguém na verdade quer os frutos do sacrifício de outra pessoa. O sacrifício é um dos piores tipos de comodismo, é alimentar aquela parte de você que se sente sem valor. Ninguém se beneficia com isso, o que não quer dizer que você não possa às vezes decidir desistir das coisas. Mas esta é uma escolha que você faz e é feita por amor. É feito por amor a si mesmo e não por auto-aversão." Aqui termina a citação do texto.
Existem muitos preconceitos relativamente à Alegria, relativamente ao amor a si próprio. A única coisa real nas nossas relações, que caracteriza o Amor, é a Alegria. O que caracteriza a felicidade conjunta é a comunhão da Alegria. A Alegria é a manifestação em cada um de nós do plano humano da harmonia Cósmica, da harmonia Divina. Quando perdemos nossa Alegria, ainda que em nome do amor, não estamos de fato em estado de Amor. Não é possível rimar Amor e dor.
Muita renúncia no relacionamento humano provém do medo de sermos chamados egoístas. Este medo nos faz sair dos nossos limites, dos nossos espaços de tempo e nos darmos além das nossas próprias condições. Há uma confusão generalizada sobre o que é o Egoísmo. Sempre nos chamou a atenção o fato de que se alguém nos chama de egoísta é porque essa pessoa está procurando alguma coisa para ela. É sempre a tentativa de nos subtrair algo em favor dela, é sempre uma forma de controlar a nossa vida. E há ainda nisto uma distorção religiosa. A Bíblia diz: "Ama o teu próximo como a ti mesmo", e não em vez de ti mesmo!"
Fazermos as coisas que nos fazem felizes é exatamente o oposto do egoísmo. Significa satisfazermo-nos na nossa totalidade, incluindo os nossos sentimentos, nossas ligações e responsabilidades para com os outros. Se não aprendemos isto, nunca nos importaremos de verdade com as outras pessoas. Se não nos amamos, se não nos respeitamos, se não cuidamos de nós mesmos, de onde vamos tirar o amor por alguém? No máximo, vamos fazer coisas para preencher as outras pessoas. O maior de todos os egoísmos é quando queremos alguém para nós, quando queremos que as pessoas pensem, sintam e ajam relativamente a nós, da maneira que desejamos. É muito fácil abrirmos mão das próprias coisas, do próprio tempo, do próprio espaço, das próprias necessidades, para sermos adorados, amados e bajulados pelos outros, para que falem bem a nosso respeito. As pessoas que não se amam podem adorar outras porque adorar é relacionar-se com o outro sentindo-se inferior a ele. As pessoas que não se amam podem gostar de ou tras, porque gostar é relacionar-se com o outro de maneira objetal, sentindo-se inferior a ele e usando-o para preencher uma incompletude interior. Mas não podem amar, porque o Amor é o testemunho do ser completo, vivo, transbordante em nós. Se nada temos, nada podemos dar.
Perdemos a Alegria quando, através destes jogos, nos afastamos do presente e nos envolvemos com o fantasma do passado ou com o fantasma do futuro, na culpa do que passou ou no medo do que virá. Todas as vezes que saímos da base sólida e real do agora, sem coragem de largar o que ficou para trás e com medo do que nos pode acontecer no futuro, perdemos o nosso estado de dança e cronificamos a vida no estado de luta. O nosso vazio interior perde a fertilidade de uma vida plena e se transforma no sentimento de isolamento e de solidão. A festa do encontro com o que nos cerca, transforma-se numa prisão cinzenta e viver passa a ser um peso e não uma brincadeira.
A Culpa e o passado só se resolvem através do perdão e, o medo do futuro, através da Esperança. Perdoando-nos pelo que já passou e através da Esperança, deixando o futuro entregue ao próprio futuro, deixando o futuro para quando for presente, deixando o desconhecido para quando for conhecido, renascerá em nós a ludicidade humana e alegres cantaremos e dançaremos à roda da vida.
A Alegria é um processo de comunhão com as outras pessoas, uma sensação íntima e harmônica de fazer parte de um todo. É uma maneira calma e inocente de ver o mundo, como sabíamos fazer na nossa infância. Alegria é quando não medimos a vida pelo tempo, mas pela qualidade ou intensidade dela. É quando nos tornamos simples como as árvores e as estrelas; quando deixamos a vida fluir em si mesma e em nós, peregrinos da gratuidade; quando acolhemos a existência como um mundo de louvor; quando estamos em Estado de Graça e achamos graça em tudo que existe.
Dai-nos, Senhor, a alegria dos pássaros e das crianças, para que possamos brincar e cantar na gratuidade da vida!

domingo, 25 de março de 2012

A Inveja

A Inveja

Antônio Roberto Soares
Psicólogo
Uma das causas mais influentes em nossa infelicidade na vida é a Inveja. Todavia, para entendermos adequadamente este sentimento temos que tentar descobrir a estrutura básica que o antecede. Somente na reflexão da estrutura-mãe da inveja é que teremos consciência deste sentimento na nossa vida e poderemos aprender a lidar com ele em nosso comportamento. Qual será o mecanismo básico, o mecanismo intelectual que nos move para a inveja? Este mecanismo, responsável pelos nossos ressentimentos é o mecanismo da Comparação. Sem uma profunda meditação sobre o processo comparativo, jamais chegaremos e entender e a avançar no nosso modo de vida, relativamente a este sentimento. Falar da inveja é falar sobre a comparação, sobre o processo de nos compararmos com as outras pessoas. Quando nós nos comparamos com os outros e nos sentimos inferiores a eles em algum aspecto, estamos com inveja. Não estamos dizendo que todas as vezes que nos compramos sentimos inveja. Estamos afirmando que nunca poderá haver inveja, sem que antes tenha havido uma comparação.
A inveja é a vivência de um sentimento inferior sob a forma de frustração, de tristeza, de mal-estar, de acanhamento, por nos sentirmos menores do que alguém, por nos sentirmos menos do que o outro, por não possuirmos o que o outro possui, por não sermos o que o outro é. É o desequilíbrio íntimo, oriundo de um sentimento de inferioridade, fruto da comparação que fizemos entre nós e o outro em algum aspecto específico: ou nas posses materiais, na casa, no carro, na roupa, no dinheiro ou nas suas qualidades psicológicas, morais, físicas, sociais ou espirituais. E como a inveja é um desequilíbrio entre nós e os outros num processo comparativo, desde cedo nos foram ensinando alguns mecanismos de defesa para este desequilíbrio. E nestes mecanismos escondemos de nós o sentimento de inveja e pode até acontecer acharmos que não vivenciamos este sentimento
A inveja não aparece tão claramente assim. Nós nos comparamos com alguém, sentimo-nos inferiores a ele e ficamos frustrados. O Processo de Ressentimento é muito mais sutil, muito mais encoberto. Um dos mecanismos mais comuns é exatamente aquele em que, ao nos sentirmos menores do que os outros, nós nos aumentamos, nos vangloriamos, nos enaltecemos para evitar o mal-estar do desequilíbrio. Falamos excessivamente bem das nossas próprias coisas e, ao mesmo tempo, procuramos diminuir o outro através da crítica. Quando criticamos alguém, quando diminuímos alguém, quando ofendemos alguém, quando temos necessidade de falar mal de alguém, provavelmente estamos nos sentindo inferiores a ele. Por isso mesmo, é que se diz que o arrogante é a pessoa que parte do pressuposto de que é inferior às outras pessoas. A inveja é a incapacidade de ver a luz das outras pessoas, a alegria, o brilho, a luminosidade de alguém, seja em que aspecto for. A inveja é o sentimento daqueles que não encontraram respostas para a diversidade do mundo e das pessoas. E esta incapacidade de aceitar que as coisas e as pessoas sejam diferentes é uma rejeição da sua própria pessoa como sendo diferente das demais. A inveja é a auto-aversão por não sermos como os outros são. O que há de negativo na inveja é esta auto-rejeição e algum ponto do seu modo de estar na vida, do seu próprio tamanho.
Muitas pessoas pensam que a inveja é quando vemos algo em alguém e queremos ter ou ser iguais ao outro. Isto é apenas um desejo de aprendizado, apenas um desejo de crescimento. O que caracteriza a inveja é uma frustração conosco mesmos, é a tristeza conosco mesmos, é a intolerância com nós próprios por nos sentirmos menores do que os ouros. Por outro lado, toda a nossa sociedade é baseada na comparação, toda a nossa cultura é uma cultura de comparação. A força elementar, fundamental, do nosso sistema é o processo comparativo. A melhor definição para o homem não é mais a de um animal racional, mas a do homem como um animal que se compara. O cume do nosso modo de viver, o núcleo de nossa maneira de estar na sociedade é o movimento comparativo. Todo o processo social se baseia na comparação. Nós aprendemos, desde muito cedo, a interiorizar esse processo em nosso comportamento. Como tudo é relativo, como tudo está em relação, nós perdemos a capacidade de ver as coisas em si mesmas e só conseguimos entender as pessoas e as coisas em comparação umas com as outras.
Vejamos esta interiorização no nosso processo educativo. Na família, por exemplo, todo o processo familiar, todo o acontecimento na família vem crivado da mania comparativa. Sempre houve alguém na nossa história familiar que, em um ou outro momento, nos foi apontado como padrão ou a quem nós fomos apontados como modelo. É imensa a carga de comparação a que somos diariamente submetidos. É uma força tão imensa que poucas vezes nos damos conta dela. Tão imersos estamos nesse processo que, infelizmente, talvez jamais tenhamos refletido sobre esta estrutura que penetrou e continua penetrando todo o nosso jeito de existir na vida.
Vamos ver outra instituição, a escola. Todo sistema escolar é baseado na comparação. Se acabássemos com a comparação, acabaríamos com a escola, pelo menos da maneira como ela existe hoje: primeiro lugar, segundo lugar, último lugar, classes mais adiantadas, classes mais atrasadas, notas, avaliações.
A força da comparação é tão presente em nossa vida, que poderíamos chamá-la de sangue cultural. É como se estivesse dentro de nós, como o sangue que corre nas nossas veias. E quem não tiver consciência deste processo ao qual é submetido diariamente em todos os lugares, em todos os momentos, das mais variadas formas, dificilmente conseguirá trabalhar ou sair do sentimento de inveja. Provavelmente viverá em estados depressivos constantes, com frequentes sensações de impotência e inferioridade, em momentos de insatisfação consigo mesmo e sem ao menos perceber e aceitar que existe o traço da inveja. Aliás, este sentimento no caminho da saúde psicológica é o mais difícil de ser tratado, porque as pessoas não têm consciência da sua própria inveja, das suas mágoas, das suas frustrações em si mesmas. Em outras instituições, na igreja, nas empresas, nos clubes, sempre nos foram dados padrões de modelos a seguir, sempre fomos convidados por eles a reforçar o caminho da comparação.
A sociedade em que vivemos é sempre comparativa nos seus vários instrumentos de transmissão cultural. Nos filmes que assistimos sempre havia os nossos heróis, os nossos padrões. Toda propaganda no rádio, no jornal e na televisão em nossa cultura, é baseada no processo comparativo, entre nós e os modelos que nos são apresentados. A trama-base de qualquer propaganda consiste em que olhemos alguém no vídeo, por exemplo, com todas as qualidades de riqueza, poder, prestígio, inteligência, dinamismo, beleza, força e magnetismo pessoal, que nos comparemos com os ambientes e pessoas apresentadas, que nos sintamos inferiores, magoados e diminuídos e, em seguida, nos é apresentada a solução para resolver aquele mal-estar – a compra de alguns produtos que nos farão iguais aos padrões apresentados!
Não há, pois, dúvidas quanto ao nosso envolvimento social na comparação. Aqui, uma questão fundamental se apresenta para nossa reflexão. Se, de um lado, entendemos que a comparação é que nos conduz à inveja e se, por outro lado, sabemos que todo processo social é comparativo e ainda que a comparação é uma força tão grande da qual inclusive não nos é possível sair, se o ímpeto de nos comparar é tão intenso, qual seria a maneira de sairmos do sentimento de inveja? Como nos modificarmos relativamente ao sentimento?
Muitos de nós já tivemos contato com o judô e aprendemos algo a respeito das suas regras básicas. A sua primeira regra, que dá consistência e significado a esta luta é saber usar a força do adversário em seu favor, é apoiar-se na força do adversário. Em relação a este sentimento, a saída é usar a força da comparação a nosso favor e não contra nós, como é o caso da inveja, porque os principais prejudicados na inveja não são os outros, mas nós mesmos. É o sentimento de rejeição corporal, psicológica, financeira, social, profissional e espiritual de nós mesmos.
Heráclito afirmava que os cidadãos de Éfeso deviam ser todos enforcados pois, movidos pela inveja diziam: “Ninguém deve ser o primeiro entre nós”. Pela minha parte imagino que isso era desnecessário, pois não conheço outro sentimento que mais nos oprima, que mais nos enforque do que a própria inveja. Invejoso é aquele que, ao invés de sentir prazer com aquilo que ele é ou com aquilo que tem, sofre com aquilo que não é e com aquilo que não tem. E só há uma saída – sabermos usar esse processo comparativo a nosso favor. Acabar com o nosso ímpeto, com os nossos impulsos comparativos, não é possível.
Mas qual seria a maneira de usarmos a nossa tendência comparativa a nosso favor e não contra nós? Existe um tipo de comparação com a qual não estamos acostumados, que normalmente não fazemos, e, se a fizermos, nós sairemos fora do processo da inveja: é a Auto-Comparação, a comparação conosco mesmos. Nós sabemos sempre muito bem quanto ganham nossos vizinhos, os nossos amigos, os nossos parentes, mas jamais fizemos uma análise do índice do nosso crescimento nos últimos anos. Estamos hoje piores ou melhores do que éramos ontem? Em termos sociais, psicológicos, financeiros, espirituais, estamos piores ou melhores do que estávamos há algum tempo atrás? Há uma grande diferença entre a comparação com os outros e a comparação conosco mesmos. Na auto-comparação, fortalecemos o nosso céu, o nosso centro, o nosso ponto de equilíbrio. Passamos a nos dirigir de dentro, em função do que realmente somos e não em função do que os outros esperam de nós. Nós passamos a ser o nosso único ponto fundamental de referência, passamos a ser donos da nossa própria vida, pois, quando nos comparamos com os outros, eles são o nosso padrão, a nossa referência, saímos do nosso eixo, somos dirigidos de fora. A auto-comparação leva-nos a um fortalecimento interior. Fortalecemos a nossa identidade, reencontramos a nós mesmos, passamos a ser o nosso próprio ponto de apoio.
Na outra, na hetero-comparação, nós nos alienamos, perdemos a nossa identidade, e passamos a estar na vida para realizar expectativas fora de nós. E nós fomos acostumados apenas a nos comparar com os outros e não temos feito exercícios de auto-comparação. Daí os nossos profundos sentimentos de depressão, de frustração e de insatisfação na vida.
O processo de comparação com o outro, sem um fortalecimento do nosso Eu através da auto-comparação leva-nos a uma forma de desespero, porque sempre haverá alguém melhor do que nós em algum aspecto, sempre. O mundo é o mundo das diferenças. Cada pessoa tem o seu ritmo, o seu jeito, o seu caminho, o seu próprio nível. Não estamos no mundo para sermos mais do que alguém, mas apenas para realizar o nosso próprio potencial, para sermos cada vez melhores comparados conosco mesmos. Alguém poderia perguntar: “Mas o aprendizado não vem de uma comparação, de um padrão?” É verdade, só podemos aprender com alguém fazendo uma comparação, vendo nele o que não somos, o que não temos e procurando imitá-lo, crescendo de acordo com aquele padrão, mas só quando estamos centrados em nós mesmos através da auto-comparação. Quando o mecanismo da auto-comparação já faz parte do nosso comportamento é que nos será possível olharmos as outras pessoas, compararmo-nos com elas e aprender com elas, porque a comparação com os outros é aprender com eles, é Admiração.
No fundo de cada sentimento de inveja, existe o sentimento de admiração, mas este só pode desabrochar quando estamos muito centrados no nosso próprio tamanho, se estivermos em postura de agradecimento pelo que somos, pelo que já temos, porque admiração pelos outros mis a tristeza conosco mesmos é a inveja. O invejoso quando vê alguém a quem deveria admirar, tende a diminuir esta pessoa. Esta é a diferença entre as estrelas e os planetas. Cada estrela é de uma grandeza, de um tamanho, como nós, mas tem sua luz própria, brilha com sua própria luz. O planeta na tem luz própria e só consegue brilhar através da luz das estrelas. Por isso é que amigo é aquele que fica alegre com a alegria do seu amigo e não o invejoso, que tenta roubar a luz, a alegria do outro. Mesmo porque não se resolve a inveja, o ressentimento, torcendo pela queda do outro, porque negar as próprias limitações com as inclinações dos outros não dá vida a ninguém.
Só quando formos padrão de nós mesmos, reencontraremos a alegria de ser o que somos, de ter o que temos, de viver como vivemos. Somente o exercício da auto-comparação nos levará à auto-aceitação, à realização do nosso próprio tamanho.
Há cerca de 100 anos, um mestre idoso e coberto de honrarias estava à morte. Seus discípulos perguntaram: “Mestre, você está com medo de morrer?” “Estou”, respondeu ele. “Estou com medo de me encontrar com o Criador”. “Mas como?”, disse um discípulo. “Você teve uma vida exemplar. Assim como Moisés, tirou-nos das trevas da ignorância!” “Você fez julgamentos justos como Salomão”, disse outro discípulo. O Mestre respondeu: ”Quando eu me encontrar com Deus, Ele não vai me perguntar se e fui Moisés ou Salomão. Ele apenas vai me perguntar se eu fui eu mesmo”.



quinta-feira, 22 de março de 2012

Aprendendo a viver

Aprendendo a viver
Aprendi que se aprende errando.
Que crescer não significa fazer aniversário.
Que o silêncio é a melhor resposta, quando se ouve uma bobagem.
Que trabalhar significa não só ganhar dinheiro.
Que amigos a gente conquista mostrando o que somos.
Que os verdadeiros amigos sempre ficam com você até o fim.
Que a maldade se esconde atrás de uma bela face.
Que não se espera a felicidade chegar, mas se procura por ela.
Que quando penso saber de tudo ainda não aprendi nada.
Que a Natureza é a coisa mais bela na Vida.
Que amar significa se dar por inteiro.
Que um só dia pode ser mais importante que muitos anos.
Que se pode conversar com estrelas.
Que se pode confessar com a Lua.
Que se pode viajar além do infinito.
Que ouvir uma palavra de carinho faz bem à saúde.
Que dar um carinho também faz...
Que sonhar é preciso.
Que se deve ser criança a vida toda.
Que nosso ser é livre.
Que Deus não proíbe nada em nome do amor.
Que o julgamento alheio não é importante.
Que o que realmente importa é a paz interior.
“Não podemos viver apenas para nós mesmos.
Mil fibras nos conectam com outras pessoas; e por essas fibras nossas ações vão como causas e voltam prá nós como efeitos.”
Herman Melville

terça-feira, 20 de março de 2012

Visita da Rejane e Bernardo


















Dias: 18 e 19 de março
Locais: Enseada e Itaguaçu
Ilha de São Francisco do Sul - SC
Rejane, Bernardo, Vera e Celestino

sexta-feira, 16 de março de 2012

O Herói

Antônio Roberto Soares
Psicólogo
Em nosso relacionamento com o mundo, podemos nos colocar numa outra postura, a postura de Herói. Muitas vezes, num esforço para sair da postura de Vítima, caímos no extremo oposto. Somos vitimas quando nos sentimos determinados cem por cento pela realidade, e bancamos o herói quando sentimos que a realidade é cem por cento determinada por nós. O “herói” é o dominador, o controlador, aquele que se julga senhor e dono de outras pessoas, é aquele eu cria a visão da realidade como resultado de sua própria vontade, é aquele que acha que só existem duas alternativas no relacionamento: ou ser dominado ou ser dominador, ou ser escravo ou senhor, ser menos ou ser mais, ser perfeito ou ser a pior coisa que existe. É a postura do oito ou oitenta. O herói extrai alegria da tristeza do outro, ele se sente bom se provar que o outro é mau. O herói, deste modo, peca por excesso, sente-se o único responsável pelo que está ocorrendo à sua volta e, por isso, assume mais do que pode cumprir. Ele se insurge contra a realidade vai além do que lhe é possível. Se na postura de vitima nos negamos, na postura de herói nós negamos o outro, sentimo-nos o único sujeito da relação humana e consideramos as outras pessoas como objetos.
O herói se coloca em nível superior ao das outras pessoas, escondendo um profundo sentimento de inferioridade. É o todo poderoso, o que sabe tudo, o que sempre tem razão, o imbatível, o melhor. É aquele que perdeu a simplicidade de estar no mundo, é o que não sabe e não sabe que não sabe; daí, a sua dificuldade em aprender. Supõe saber tudo e perde com isso a capacidade de perguntar, a capacidade espontânea de fazer perguntas, de perguntar o que não sabe. Em contrapartida, seu comportamento é sempre o de ensinar, de julga, de analisar e de orientar os outros. É o dono da verdade. Por isso, nunca diz: “Eu não sei”. Nunca pede ajuda. Ele se julga como padrão dos outros e se relaciona com o mundo através de uma avassaladora programação de dogmas, de verdades feitas, porque as pessoas serão boas, honestas, verdadeiras, inteligentes, se coincidirem com o seu modo de pensar, de sentir e de agir.
Internamente o herói raciocina que as pessoas devem ser feitas à sua imagem e semelhança, as pessoas devem ser da maneira que ele quer que elas sejam, os pensamentos das outras pessoas terão de ser os seus próprios pensamentos, o comportamento dos outros tem de ser como ele acha que deve ser. O herói é semelhante a Proskrusts na lenda antiga, que punha todas as pessoas numa cama do mesmo tamanho. Se as pessoas fossem compridas, ele cortava-lhes as pernas, se fossem muito curas, esticava-as até que coubessem na cama.
Há pessoas que querem enquadrar os outros no seu moralismo, nos seus dogmas, nas suas verdades, e isto é a pior forma de tortura. Por isso, o herói é aquele que sofre, esconde ao máximo seu sofrimento e gosta de fazer os outros sofrerem. As suas críticas são tentativas de enquadrar alguém nos seus padrões. O herói é a pessoa que não suporta as diferenças, ignorando que aquilo que faz o mundo ser mundo é a união das diferenças, ignorado também que só podemos amar outra pessoa por suas diferenças em relação a nós, porque naquilo em que ela é igual estamos amando não a ela, mas a nós mesmos.
Só podemos crescer a partir das diferenças. A função da diferença é o crescimento. Só podemos aprender com o outro naquilo que ele pensa diferentemente de nós, porque naquilo em que ele pensa igualmente não há nenhuma descoberta, mas apenas confirmação do que já sabíamos. O herói, na sua visão de onipotência evita ver e aceitar os limites do mundo. Para ele não existem limitações de tempo, de espaço, de cor, normas, saúde e condições. Há nele a crença na possibilidade de ser super: super-homem, super-profissional, supercapaz, superpai, supermãe, super-inteligente. É o Delírio da Onipotência, é a interiorização de um ideal de vida baseado na possibilidade de ser um super-herói, é a crença de que podemos ser mais do que nós somos. E sempre que bancamos o herói em nosso encontro com o mundo, depois nos sentimos vítimas. A toda atenção excessiva corresponde depois uma depressão, a todo excesso segue-se naturalmente um recesso. Os nossos malogros e nossas frustrações advêm de termos procurado ser e realizar mais do que éramos humanamente capazes.
Essa lei é a mesma lei física de Newton: “A toda ação corresponde uma reação igual e contrária”. Se não levarmos em conta os limites das situações e agirmos como se elas não existissem, teremos em nossa vida, a resposta deste exagero em forma de sofrimento, seja ele físico, psicológico ou social. Quando nos sentimos humilhados e ofendidos, melhor será nos perguntarmos onde, como, e quando quisemos ser mais do que somos, perguntar a quem quisemos dominar e controlar, e não conseguimos, pois só estamos sofrendo as consequências de querermos ser mais do que a própria realidade.
O herói, na sua tentativa de manipular os outros, torna-se obcecado por controle, por poder, e usa todo tipo de truques. Assim, ele banca o autoritário, o durão, o frio, o machão, o estúpido, o teimoso, o corajoso, o desafiador, aquele que quebra, mas não verga. Herói é o que esconde o medo sob a capa da coragem e depois de frustrada a sua tentativa de controlar os acontecimentos, vai bancar o desamparado, o desprotegido, o humilhado, o ofendido, o magoado e o injustiçado. E é assim que perdemos a nossa liberdade individual. O mais interessante a respeito de uma pessoa obcecada pelo desejo de controlar o semelhante, é que ela sempre acaba por ser controlada, ela se prende na própria teia, tecida para prender os outros.
Quando aprisionamos alguém, nós também nos aprisionamos. O policial que monta guarda à porta da cela para que o marginal não fuja, está tão preso quanto ele. O herói é como o diamante, fere todo mundo e não quer ser ferido por ninguém. É o durão inflexível e, em nome da personalidade, ele quer ser um só, igual em todos os lugares com todas as pessoas e com todas as circunstâncias. As pessoas e o mundo que se modifiquem para se adequarem a ele. Ele é o centro do universo, ele é um ponto fixo em torno do qual devem girar todas as outras pessoas. E nessa fantasia de ser permanente, de ocupar uma posição fixa na vida, ele se agarra a ela com unhas e dentes. Com o imbatível propósito de não arredar pé dali, vai tendendo pouco a pouco a se confundir com os seus papéis na vida, as suas categorias, os seus adjetivos. Ele já não é ele, é apenas o chefe, o PI, o ocupante de um cargo, o rico, o inteligente, o famoso, o amado, o sensato. E assim, vai abdicando do seu universo interior, da sua humanidade, da sua vida verdadeira, da sua origem simples e alegre, abdicando do seu Ser, que é parte de um universo. Passa mecanicamente a ser uma peça sofredora, escrava e escravizante.
Setenta por cento do nosso organismo é água e isto deveria nos mostrar o quanto o organismo é flexível, mutável, adaptável às situações. A autoridade não vem das pessoas, mas dos fatos, da realidade, da situação. Ter personalidade humana é ser capaz de fazer uma síntese com o ambiente que nos cerca, não ser mais ou menos adaptado às circunstâncias, mas estar com elas em harmonia, em ligação, em reciprocidade e integração.
O herói se revolta contra a realidade, ele está sempre com desequilíbrio com relação ao mundo. Na postura de herói, somos resistentes às mudanças, às mutações do mundo, porque no herói existe a crença e o desejo de ser imutável. E a principal causa dessa reação às mudanças se encontra no fato de que qualquer alteração significativa nos faz lembrar que tudo evolui, que esta vida passa e que um dia vamos morrer. Para não olharmos de frente o inevitável, aprendemos a fingir que controlamos a nossa existência e a dos outros e vamos creditando falsamente que é possível permanecer sempre o mesmo nu mundo cuja característica básica é a mutação. E neste afã de impedir que a vida flua como um rio, pretendendo controlar o futuro, o desconhecido, o que ainda não aconteceu, transformamos nossa vida numa competição, numa luta extenuante contra o tempo e então agimos como um cavalo de corrida.
Isto aparece na forma de Pressa e de Preocupação. A pressa e a preocupação provêm do fato de fazermos nossa felicidade depender sempre da expectativa de alguma coisa no futuro. Viver sempre em função do futuro, do que vem, deixa-nos sentir sem contato com a fonte ou o centro da vida, porque o amanhã nada significa, a não ser que esteja em completa ligação com a realidade do presente que se vive. Nós nos preocupamos porque nos sentimos inseguros e desejamos segurança, e porque ainda não compreendemos que não existe segurança na vida humana. Ponderemos como é contraditório desejarmos ser estáveis e seguros num universo cuja própria natureza se caracteriza pela fluidez e pela instantaneidade. Não há absolutos para algo tão relativo como a vida. Os nossos desejos voltados para o futuro são empecilhos que nos dificultam assumir agora a responsabilidade por eles, e assim preocupamo-nos para não nos ocuparmos com o que é possível fazer agora. A pressa e a preocupação são um desejo de ter a certeza de um futuro brilhante e tranqüilo. O poder de usufruir as coisas agradáveis que nos estão acontecendo e nos é negado pela preocupação constate. Nossa mente está preocupada com algo que ainda não está presente. O dom da previsão de pensar sobre o futuro constitui a principal realização do cérebro humano. Entretanto, o modo pelo qual geralmente usamos este poder pode destruir todas as suas vantagens, pois é de pequena utilidade para nós prever possíveis acontecimentos no futuro, se isto nos tortura, se nos torna incapazes de viver plenamente o presente.
Somos heróis quando estamos sempre nos preparando para viver, ao invés de viver. Se para termos um presente agradável, precisamos a certeza de um futuro feliz, podemos desistir da felicidade. Tal certeza é impossível de se obter. Sempre haverá o desconhecido, jamais conseguiremos controlar o imprevisto. Não é que não tenhamos motivo para as nossas preocupações – apenas elas são inúteis. A vida só se vive de improviso, é sempre de repente, no rascunho, não se pode passar a limpo. Não apressemos o rio, ele corre sozinho.
Bem-aventurados aqueles que conseguem deixar a vida fluir e harmonizar-se com ela, sejam quais forem as circunstâncias. O nosso caminho de felicidade é o caminho da Adaptação. Não confundamos adaptação com acomodação. A adaptação é uma mudança harmônica dentro da realidade, levando em conta as nossas possibilidades e as possibilidades dos outros. Nós somos nós e o mundo é o mundo e nós somos um com o mundo. Fazemos parte de um universo, fazemos parte de uma sociedade, fazemos parte de uma família, fazemos parte de uma empresa e só haverá dor psicológica quando, ao invés de aceitarmos o nosso papel de parte, nós quisermos ser o Todo.
Sábio é aquele que desistiu de enquadrar as pessoas, o mundo e o futuro nas suas concepções. Sábio é aquele que, através de uma harmonia pessoal, consegue sentir o seguinte: “Faço parte e quero cada vez mais integrar-me e adaptar-me à vida que canta e cai, à vida que sofre e festeja em volta de mim”. Sábio é aquele que desistiu de ser o universo e resolveu apenas viver com o universo.




domingo, 11 de março de 2012

A Vítima

Antônio Roberto Soares
Psicólogo
Todo o comportamento humano decorre da concepção que nós temos da realidade e nessa realidade existem dois pólos bastante distintos: nós e aquilo que somos, nós e aquilo que nos cerca, nós e as outras pessoas. Nossa postura na vida depende do modo como estabelecemos essa relação; a relação entre nós e os outros, entre nós e os membros da nossa família, entre nós e outros membros da sociedade, entre nós e as coisas; a relação entre nós e o trabalho, entre nós e a realidade externa.
A nossa maneira de sentir e de viver depende de como cada um de nós interioriza a relação entre essas duas partes da realidade, entre esses dois blocos da realidade. Uma das formas que aprendemos de nos relacionarmos com os outros é a postura que designamos por Vítima.
O que é a vítima? A vítima é a pessoa que se sente inferior à realidade, é a pessoa que se sente esmagada pelo mundo externo, é a pessoa que se sente desgraçada face aos acontecimentos, é aquela que se acostuma a ver a realidade apenas em seus aspectos negativos. Ela sempre sabe o que não deve, o que não pode, o que não dá certo. Ela consegue ver apenas a sombra da realidade, em paralelo com uma incrível capacidade para diagnosticar os problemas existentes. Há nela uma incapacidade estrutural de procurar o caminho das soluções e, neste sentido, ela transfere os seus problemas para os outros; transfere para as circunstâncias, para o mundo exterior, a responsabilidade do que está lhe acontecendo. Ela não assume a sua posição na vida, culpa os outros pelo que está acontecendo n seu modo de encarar e perceber a vida. Esta é a postura da justificativa.
Justificar-se é o sinal de que não queremos mudar. Para não assumirmos o erro, justificamo-nos, ou seja, transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em justificativa, paralisamo-nos, impedindo-nos de crescer. A Vítima é incompetente na sua relação com o mundo externo. Enquanto colocarmos a responsabilidade total dos nossos problemas em outras pessoas e circunstâncias, tiraremos de nós mesmos a possibilidade de crescimento. Em vez disso, vamos procurar mudar as outras pessoas.
Este tipo de postura provém do sentimento de solidão. É quando não percebemos que somos responsáveis pela nossa própria vida, por seus altos e baixos, seu bem e seu mal, suas alegrias e tristezas, é quando a nossa felicidade se torna dependente da maneira como os outros agem; é quando condicionamos nossa felicidade e paz interior ao comportamento dos outros, à ação dos outros, quer eles sejam nossos amigos, nossos filhos, nossos pais, nossos cônjuges, nossos colegas de trabalho ou quaisquer outras pessoas que conosco se relacionam. E como as pessoas não agem segundo nosso padrão, sentimo-nos infelizes e sofredores. Realmente, a melhor maneira de sermos infelizes é acreditarmos que é à outra pessoa que compete nos dar felicidade e, assim, mascararmos a nossa própria vida frente aos nossos problemas.
A postura de vítima é a máscara que usamos para não assumir a realidade difícil, quando ela se apresenta. A falta da vontade de crescer, de mudar da vítima é escondida sob a capa da aparição externa. Essa é uma das maiores ilusões da nossa vida: desejarmos transferir para a realidade que não nos pertence, sobre a qual não possuímos nenhum controle, as deficiências da parte que nos cabe. Toda relação humana é bilateral; os e a sociedade, nós e a família, nós e o que nos cerca. O fato de o mundo externo nos apresentar aspectos negativos não quer dizer que não sejamos perfeitos e o fato de nós possuirmos uma deficiência não significa que o outro também a possua. Essas duas partes da mesma realidade não são antagônicas, não são uma simples relação causal e, sim, complementares e integradas. O maior mal que fazemos a nós próprios é usarmos as limitações de outras pessoas do nosso relacionamento para não aceitar a nossa própria parte negativa.
Assim, usamos o sistema como bode expiatório para a nossa acomodação no sofrimento. A Vítima é a pessoa que transformou sua vida numa grande reclamação. Seu modo de agir e de estar no mundo é sempre uma forma queixosa, opção que é mais cômoda do que fazer algo para resolver os problemas. A vítima usa o próprio sofrimento para controlar o sentimento alheio; ela se coloca como dominada, como fraca, para dominar o sentimento das outras pessoas.
O que mais caracteriza a vítima é a sua falta de vontade de crescer. Sofrendo de uma doença chamada Perfeccionismo, que é a não aceitação dos erros humanos, a intolerância com a imperfeição humana, a vítima desiste do próprio crescimento. Ela se tortura com a idéia perfeccionista, com a imagem de como deveria ser e tortura também os outros relativamente àquilo que as outras pessoas deveriam ser. Há na vítima uma tentativa de enquadrar o mundo no modelo ideal que ela própria criou, e sempre que temos um modelo ideal na cabeça é para evitarmos entrar em contato com a realidade. A vítima não se relaciona com as pessoas aceitando-as como são, mas da maneira que ela gostaria que fossem. É comum querermos que os outros sejam aquilo que não estamos conseguindo ser, desejar que o filho, a mulher e o amigo sejam o que nós não somos.
Colocar-se como vítima é uma forma de se negar na relação humana. Por esta postura, não estamos presentes, não valemos nada, somos meros objetos da situação. Querendo ser o todo, colocamo-nos na situação de sermos nada. Todavia, as dificuldades e limitações do mundo externos são apenas um desafio ao nosso desenvolvimento, se assumirmos o nosso espaço e estivermos presentes. Assim, quanto pior for um doente, tanto mais competente deve ser o médico; quanto pior for um aluno, mais competente deve ser o professor. Assim também, quanto pior for o sistema ou a sociedade que nos cerca, mais competentes devemos ser com as pessoas que fazem parte desta sociedade; quanto pior for o nosso filho, mais competentes devemos ser como pai ou mãe; quanto pior for a nossa mulher, mais competentes devemos ser como marido; quanto pior for nosso marido, mais competentes devemos ser como esposa, e assim por diante.
Desta forma, colocamo-nos em posição de buscar o crescimento e tomamos a deficiência alheia como incentivo para nossas mudanças existenciais. Só podemos crescer naquilo que nós somos, naquilo que nos pertence. A nossa fantasia está em querermos mudar o mundo inteiro para sermos felizes. Todos nós temos parte da responsabilidade naquilo que está ocorrendo. Não raras vezes, atribuímos à sociedade atual, ao mundo, a causa de nossas atribulações e problemas. Talvez seja esta a mais comum das posturas da Vítima: generalizar para não resolver. Os problemas da nossa vida só podem ser resolvidos em concreto, em particular. Dizer, por exemplo, que somos pressionados pela sociedade a levar uma vida que na nos satisfaz, é colocar o problema de maneira insolúvel. Todavia, perguntar a nós mesmos quais são as pessoas que concretamente estão nos pressionando para fazer o que nos desagrada, pode trazer uma solução. Só podemos lidar com a sociedade em termos concretos, palpáveis. Conforme nos relacionamos com cada pessoa, em cada lugar, em cada momento, estamos nos relacionando com a sociedade, porque cada pessoa específica, num determinado lugar e momento, é a sociedade para nós naquela hora. Generalizamos de maneira comum para não solucionarmos e como tudo aquilo que nos acontece está vinculado com a realidade, todas as vezes que quisermos encontrar desculpas para nós, basta olhar a imperfeição externa.
Colocar-se como vítima é economizar coragem para assumir a limitação humana, é não querer entender que a morte antecede a vida, que a semente morre antes de nascer, que a noite antecede o dia. A vítima transforma as dificuldades em conflito, a sua vida em um beco sem saída. Ser vítima é querer fugir da realidade, do erro, da imperfeição, dos limites humanos. Todas as evidências da nossa vida demonstram que o erro existe, existe em nós, nos outros e no mundo. Neurótica é a pessoa que não quer ver o óbvio. Fazemos o jogo dos que querem nos controlar quando nos colocamos na posição de vítimas, não aceitando a fragilidade e as dificuldades humanas. A vítima é uma pessoa orgulhosa que veste a capa da humildade. O orgulho dela vem de acreditar que ela é perfeita e que os outros é que não prestam. Crê que se o mundo não fosse do jeito que ele é, se sua esposa não fosse do jeito que ela é, se seus filhos não fossem do jeito que eles são, se o seu marido fosse diferente, ela estaria bem, porque ela, vítima, é boa, os outros é que têm deficiências, apenas os outros têm que mudar. A esse jogo chama-se o jogo da infelicidade. A vítima é uma pessoa que sofre e gosta de fazer os outros sofrerem com o sofrimento dela, é a pessoa que usa suas dificuldades físicas, afetivas, financeiras, conjugais, profissionais, para não crescer, mas para permanecer nelas e, a partir disso, fazer chantagem emocional com as outras pessoas.
A maioria de nossas mágoas e ressentimentos resultam de que nós achamos que se sagrarmos, outras pessoas sofrerão e se cairmos, outras ficarão tristes. É uma atitude de vingança com relação às outras pessoas. A vítima é a pessoa que ainda não se perdoou por não ser perfeita e transformou o sofrimento num modo de ser, num modo de se relacionar com o mundo. É como se olhasse para a luz e dissesse: “Que pena que tenha a sombra...”, é como se olhasse para a vida e dissesse: “Que pena que haja a morte...”, é como se olhasse para o sim e dissesse:”Que pena que haja o não...”. E todas as vezes que quiser ser feliz é fácil, basta ver o que há de negativo. A luz e a sombra são faces de uma mesma moeda, a vida é feita de vales e montanhas.Não são as circunstâncias que nos oprimem, é a maneira como nos posicionamos diante destas circunstâncias, porque nas mesmas circunstâncias em que uns procuram o caminho do crescimento, outros procuram o caminho da loucura, o caminho da alienação. As circunstâncias são as mesmas, o que muda é a disposição para o alvorecer, para o desabrochar, ou a disposição para murchar e fenecer.
Viver é resolver problemas e para cada problema existe uma solução, porque um problema só pode ser verdadeiro se houver solução. Um problema sem solução é um problema falso. Às vezes, preferimos ficar com os problemas falsos para evitar a solução dos problemas verdadeiros. Um dos jogos preferidos pela vítima para sofrer e fazer outros sofrerem é o jogo do Passado. O jogo do passado consiste em atribuirmos ao passado a responsabilidade pelo que está acontecendo no presente. É quando transpomos o passado para a realidade: se tivéssemos estudado, se tivéssemos casado com outra pessoa, se nossos pais não fossem como são, se nossa infância não fosse como foi, se não tivéssemos perdido aquela oportunidade, se não tivéssemos tido filhos, estaríamos bem, porque nos julgamos bons e perfeitos. Não possuímos limitações, quem possui limitações é a nossa mãe, nosso pai, nossa infância, nosso passado. Este jogo é paralisante porque transforma numa visão causal, linear, a nossa própria vida, quando de fato é estrutural e dinâmica.
Através desse jogo, selamos nossa vida com a crença um destino pré-determinado, e com isso escondemos a nossa falta de coragem para mudar hoje o que tem de ser mudado. As pessoas podem viver olhando para a frente, entendendo que hoje é o primeiro dia do resto de suas vidas, ou então ficar olhando para trás, de costas para a vida. São aquelas pessoas que não conseguem viver o que está acontecendo hoje, pois estão muito presas a tudo o que já passou, a tudo aquilo que já morreu. Mais cedo ou mis tarde, temos que nos perguntar: “É o passado que cria o nosso presente ou é o presente que cria o nosso passado?” Evidentemente aprendemos que é o passado que faz o presente, que o momento presente é apenas o fruto de tudo que já passou. Mas temos, em nome da nossa felicidade, que reaprender que é o presente que cria o passado, em outras palavras, tudo antes de ser o passado teve de ser primeiro presente, tudo que estamos fazendo agora daqui a pouco será passado. Vivamos intensamente o nosso presente, o nosso agora, porque daqui a pouco ele será passado e não volta nunca mais.
A vida é um momento sem retorno, é o aqui e o agora. Não podemos substituir o nosso presente pelas preocupações com o futuro nem tampouco substituir a gratuidade e o calor do momento presente pela frieza das lembranças do passado, pois recordar é morrer. O passado tem profundo significado na nossa vida, mas somente como aprendizado, apenas como referência para o nosso presente, e não como determinante da vida que nós vivemos hoje. Nós somos o mundo e a vida em transformação. O presente é o único momento que de fato existe em nossa vida. A maneira mis desvitalizada de ser é transformar-se numa estátua de sal voltada para trás. Mas há pessoas que preferem viver o frio, o morno, o fantasma de ontem, ao invés da inebriante alegria – a vida e o calor do momento presente. Viver o presente é aceitar que, humanamente, só podemos ser felizes apesar de alguma coisa, que nós somos o que somos e não o que os outros querem que sejamos, e que viver é aceitar a co-autoria vivencial entre nós e o mudo, fazendo uma síntese com a vida que nos rodeia.

terça-feira, 6 de março de 2012

Medo de Perder

Antônio Roberto Soares
Psicólogo
Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e significativa é o medo de perder, sobretudo, o medo de perder alguém, o medo de perder alguém que nós dizemos amar, o medo de perder a esposa ou esposo, os filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente. Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital. O medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual nos relacionamos. O medo de perder se reveste de mil e uma formas, aparece sob mil disfarces: medo de sermos criticados por alguém, medo de que falem mal de nós, medo que nos humilhem, medo de sermos abandonados, medo de sermos rejeitados, medo de não sermos importantes, medo de não sermos ilustres, medo de sermos menosprezados, medo de não sermos amados, medo da solidão. E todo isso pode ser designado mais claramente por uma palavra: ciúme.
O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém, de não vir a ser dono de alguém. Na relação ciumenta, colocamos nós e o outro como objetos. Nesta relação, pessoa e objeto são a mesma coisa. No ciúme, temos medo de sermos algum dia  considerados inúteis, dispensáveis a outra pessoa. Esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apelo, a emoção da relação confusa, misturada, dependente. E o que a agrava é que na nossa cultura aprendemos do ciúme como sendo amor. E o ciúme é justamente o contrário. O ciúme é o oposto do amor. Na relação amorosa, existe identidade: “Eu sou independente de você!” Na relação ciumenta, por outro lado, na relação de objeto, perde-se a identidade: “Eu sem você, não valho nada. Você é tudo para mim! “O amor é solto, é livre, vem de querência íntima, está diretamente ligado ao sentido de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina. “Com esta emoção, eu já não sou eu; sou o que o outro quer que eu seja. E eu sou o que o outro quer que eu seja, para que ele também seja o que eu quero que ele seja”. No ciúme, há um pacto de destruição mútua, em que cada qual usa o outro como garantia de que não está sozinho: “Eu me abandono para que o outro não me abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite, eu me destruo para que o outro não me destrua.
O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém, e o mais grave talvez esteja aqui: passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros um dia o que nós já somos – totalmente dispensáveis. O homem é, por definição, dispensável, transitório, efêmero, aquilo que passa e isto é bastante real. Em todas as relações que temos hoje somos substituíveis. O mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Nós somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois. O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte, que também é real. O medo da morte é o ciúme da vida. É a vontade falsa, irreal, de sermos eternos, permanentes e imutáveis. O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem a pena se forem eternas, permanentes, duráveis. Uma relação só tem valor, neste caso, se tivermos garantia de que sempre será assim como é. E como tudo é transitório, como tudo é mutável, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento.
As consequências do ciúme são muito claras: “Se eu tenho medo de que me abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de fazer tudo para ser cada vez mais, para ser cada vez melhor, eu vou gastar toda a minha vida, todas as minhas energias para provar aos outros que eu já sou o mais, que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro. Ao invés de empenhar esforços para ser um marido, por exemplo, cada vez melhor, um filho cada vez melhor, uma esposa cada vez melhor, um pai cada vez melhor, um chefe cada vez melhor, uma empregada cada vez melhor, eu gasto minhas energias para provar à minha mulher, aos meus amigos, aos meus filhos, ao meu marido, ao meu chefe, ao meu empregado, que eu já sou o melhor pai do mundo, o que é mentira; o melhor marido do mundo, o que é mentira; o melhor amigo do mundo, o que é mentira; o melhor chefe do mundo, o que é mentira; o melhor empregado do mundo, o que é mentira!”, e assim por diante.
O ciúme os conduz ao delírio da onipotência. Os nossos atos, as nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, tudo é para mostrar aos outros que nós já somos bons, fortes, capazes e perfeitos. Aqui está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar. O medo de perder é assim: “Ganhamos, ninguém vai nos tomar. gastaremos todas as energias para defender o que nós já possuímos, para conservar o que já ganhamos. Nós já chegamos ao ponto máximo, só temos que perder”. A vontade de ganhar, por outro lado, é assim: “Estaremos sempre ativos, descobrindo as oportunidades de ganho. Procuremos ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com possíveis perdas. O que nós temos de mais sagrado é a nossa própria vida, e esta, nós já vamos perder. Todas as outras perdas são secundárias. O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo. As pessoas ciumentas esão sempre com um pé atrás  outro na frente. Sempre se prevenindo para não perder, sempre se preparando, sempre se conservando. As pessoas com vontade de ganhar estão sempre ativas, sempre optando, arriscando. O medo de perder é a vivência do futuro, é a vivência antecipada do futuro, é preocupação. A vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente, é a vivência da beleza do presente. Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades. No medo de perder, a pessoa só vê riscos. Na vontade de ganhar, a pessoa vê os riscos mas, sobretudo, vê também as oportunidades. Cada momento da vida é um desafio para o crescimento. A vontade de ganhar, a qual nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo, ser cada vez mais, estar sempre disposto a dar um passo à frene, estar sempre disposto a crescer um pouco mais. É importante termos sempre para nós que hoje podemos crescer um pouco mais do que éramos ontem; descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo, e que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade. Não existe pessoa madura. Existe, sim, a pessoa em amadurecimento. Todo o nosso sofrimento vem de uma paralisação do crescimento pessoal e cada um de nos sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, onde não está havendo expansão da nossa própria energia.
Ainda não vimos até hoje, um relacionamento se deteriorar sem uma presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos de outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa a quem dizemos amar. O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo e, consequentemente um desamor ao outro. Pelo ciúme, se estabelece uma relação dominador/dominado. O ciúme é a dor da incerteza com relação aos sentimentos de alguém no futuro. É a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento, do futuro. É a tristeza de não saber o que vai acontecer amanhã. Aliás, o que dói no ciúme é a insegurança do futuro, é a insegurança do desconhecido. A loucura está aí; Passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos – segurança! A segurança não existe, não existe nada. Ser seguro na significa acabar com a insegurança, mas aceitá-la como inerente à natureza humana. Ninguém pode acabar com o risco do amor. Por isso, só é possível estarmos em estado de amor, se sabemos estar em estado de risco. Desperdiçamos o único momento que temos que é o agora, em função de um momento inexistente, o futuro. Parece que as pessoas só valem para nós no futuro. Nós não curtimos hoje o relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, sofrendo pela possibilidade de um dia não sermos queridos por eles.
O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã, quando crescer, se formar, quando casar, quando trabalhar etc. Até hoje ainda não conhecemos um pai preocupado com o futuro os filhos que estivesse brincando com eles. Em geral, não têm tempo porque estão muito preocupados em assegurar-lhes um futuro brilhante.
O ciúme é a incapacidade de vivenciarmos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida, querendo ou não. Hoje estamos começando, e viver é considerar cada segundo de novo. A cada dia o seu próprio cuidado. O medo daquilo que me pode acontecer tira minha alegria de estar aqui e agora, o medo da morte tira-me a vontade de viver, o medo de perder alguém me tira a beleza de estar com ele agora. Aliás, quando temos medo de perder alguém, é porque imaginamos que as pessoas são nossas. Ninguém pode perder o que não tem e nós sabemos que ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma. Esta é outra falsidade. Podemos perder um livro, um isqueiro, uma bolsa, porém, jamais uma pessoa.
O sinônimo do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar. O que é a obsessão do primeiro lugar? É colocarmos nos outros a tarefa impossível de sermos sempre os primeiros em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Se é em casa, queremos ser o primeiro; no trabalho, queremos ser o primeiro; numa reunião, queremos ser o primeiro; no futebol, queremos ser o primeiro; num assunto específico, queremos ser o primeiro; e em outro assunto qualquer, sempre o primeiro.
O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, ao passo que o segundo lugar é esperançoso, é reverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha, só lhe resta um caminho – começar a descer.
No segundo lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer. A postura do segundo lugar nos leva ao crescimento, ao crescimento contínuo. Por que você não se decreta no segundo lugar, mesmo quando esteja ocupando socialmente e eventualmente o primeiro? O segundo lugar, não em relação ao outro, mas em relação a você mesmo, ou seja, ainda temos por onde crescer e melhorar. Você sabe por que o mar é tão grande, tão intenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo. Sabendo receber, tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima e todos os rios, não seria o mar, mas uma ilha. Toda a sua água iria para os outros e ele estaria isolado. E, além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte. É impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e a morte. Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Não é possível ganhar sem saber perder, não é possível andar sem saber cair, não é possível acertar sem saber errar, não é possível viver sem saber morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar será muito doloroso; se temos medo da morte, a vida é muito ruim; se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a figura do fracassado dentro do sucesso. Pessoas que quanto mais ganham, quanto mais melhoram na vida, mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre quanto mais dinheiro tem mais preocupada fica; para a pessoa que tem medo do fracasso, quanto mais sobe, na escala social, mais desgraçada é a sua vida.
Em compensação, se você aprende a perder, a cair, a errar, ninguém o controla mais. Pois o máximo que pode acontecer a você é cair, é errar, é perder, e isso você já sabe. Bem-aventurado aquele que já consegue receber, com a mesma naturalidade, o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.