sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Receita de Ano Novo

 Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
Cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior), 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente  acreditar que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, 
começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas, tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera
desde sempre.






quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O raio atolado I

Meu pai era um pescador de mão cheia e como todo bom pescador era um campeão em contar histórias e "causos" fantásticos e jurava que todos eles podiam passar pelo crivo da máquina da verdade. Pois sim, até hoje, tenho lá minhas dúvidas.


Uma destas histórias nos leva para uma casa abandonada há muito tempo, na beira de um rio, um dos locais preferidos por ele e por seus amigos para acampar por dias e noites, enquanto pescavam.


Para terem uma noite de sono tranquilo, escolhiam um deles para ficar de guarda. Eis que naquela noite, havia algo de estranho e sobrenatural no ar. Mesmo assim, foram dormir.

Enquanto isso, estava se preparando uma grande tempestade e lá pelas tantas, os fantasmas moradores começaram a assombrar nossos valentes pescadores.


O céu, que já estava escuro, começou a ficar carregado com nuvens pesadas e mais escuras ainda.  O vento foi tomando conta de tudo, além de raios e trovoadas. Quanto mais o vento soprava, os raios e trovões ficavam mais assustadores e o medo ia aumentando na mesma proporção.


Não tardou para uma violenta chuva cair após muito granizo. O cenário ideal para a alma dos que perambulavam  por ali aparecerem e acabarem com o sossego de quem ousasse ocupar o mesmo espaço que eles consideravam como seu.


Dentro da casa, muitas goteiras e sustos perturbavam o sono dos pescadores, como o barulho de correntes se arrastando, gemidos e gargalhadas... Mais parecia um filme de terror. Em meio àquela movimentação toda dentro da casa, alguns arrepiados e com medo do que iriam enfrentar, resolveram sair e quando decidiram, um barulho ensurdecedor começou a vir de fora também.


E agora? O que fazer? O barulho ia aumentando, como se um jipe ou um carro 4x4 atolado estivesse se aproximando e fazendo força para desatolar-se. Já que estavam a caminho do desconhecido e que para dentro da casa não podiam mais voltar, enfrentaram o medo e saíram. E pasmem. Deram de cara com um raio atolado.


Véra Regina Friederichs


15/12/2021

 

O raio atolado

Pai pescador

Legenda

De pé: Meu tio Francisco Friederichs e meu pai pescador Arlindo José Friederichs

Sentados: Meus avós paternos João e Vicentina Oliva Lobato Friederichs em1966, em cerimônia de bodas de ouro em Caxias do Sul, RS, há 55 anos