sábado, 20 de julho de 2013

Quando crescer, queremos ter 60 anos e dançar ritmos latinos

Ooooooooopa. Chegamos lá. Aos sessenta, setenta, oitenta... Um quebra-molas, o primeiro que notamos. Não nos diga para desacelerarmos. Se mudarmos o caminho, será por decisão nossa. Sexagenários, mas ainda desaforados. Hummmmmmm.  Que outras palavras nos definem e nos inspiram? Se pedíssemos a cada um dos idosos metidos a bailarinos que tiveram a coragem de subir neste palco hoje, como nós, para pensarmos em apenas uma palavra ou inventar uma que descrevesse nossos sentimentos ou ambições para esta fase das nossas vidas, o que será que responderíamos?
Com mais de 60 anos, crescidos, e agora somos... Jovens, subversivos, engraçados, qualificados, velozes, simples, pacientes, tolerantes, divertidos, serenos, espetaculares, satisfeitos, fortes, os mesmos de sempre, altivos, sensuais, puro sentimento, serenos, profetas, espontâneos, teimosos, seletivos, explosivos, robustos, seguros, egoístas, brigões, solteiros, importantes, sóbrios, experientes, suaves, bobos, otimistas e sabemos que um emprego deve ser abandonado quando se torna apenas um emprego: que o dinheiro virá, embora nunca o bastante e a tempo, que muitas coisas são tóxicas para a saúde, ainda que - flores, boa comida, música, dança  e vinho – sejam pura alegria.
Entre nós, os bailarinos amadores do Centro de Convivência do Idoso, encontramos casados com a mesma pessoa há 40 anos; casados várias vezes com várias pessoas, separados ou divorciados; viúvos, solteiros por opção e solteiros dispostos a mudar seu estado civil. O grupo inclui avós e bisavós, homens e mulheres sem filhos, que decidiram dedicar-se mais à carreira profissional, ou que não puderam tê-los mesmo. Os passos de dança que vimos neste palco são de aposentados na maioria, que optaram na idade mais produtiva em trabalhar como operários, no comércio, serviço público, como donas de casa, artistas, artesãos, professor, soldador, cabeleleiro, enfermeiro, assistente social, turismóloga, jornalista e outras profissões liberais.
Nós mulheres, que nos apresentamos hoje, chegamos à maioridade no final da década de 50 e 60 e tivemos um papel importante e inovador na sociedade em que vivemos, conquistando muitos direitos que agora são exercidos pelas nossas filhas, netas e bisnetas, que nossas mães e avós sequer ousaram sonhar. Para chegarmos ao século 21 em postos de trabalho, antes só reservados aos homens lutamos muito. Protestamos nas ruas, fizemos passeatas, vivemos em comunidades, estudamos, nos tornamos independentes.  O movimento feminino nos desafiou, nos ameaçou e nos inspirou. Algumas de nós subiram no carrossel da carreira vestindo ternos azul-marinhos e laços vermelhos no pescoço e fomos à busca de oportunidades de ouro;  outras percorreram o caminho mais tradicional, escapando apenas às vezes para participar de recepções sociais, ou permanecendo em casa. Em ambos os casos cumprimos e muito bem com os nossos papéis e buscamos a felicidade, à nossa maneira.
A virada dos 60 anos traz a homens e mulheres lições de vida e observações que são inteligentes, bem-humoradas, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo, e sempre nos fazem refletir.
Quando mais jovens, tínhamos uma lista. Era composta de sonhos e planos sem fim - projetos pessoais e criativos que realizaríamos quando não tivéssemos mais empregos que nos ocupassem das oito às sete horas. Não há mais pressão para apoiar a ambição dos nossos companheiros e os sonhos dos nossos filhos. Nossos pais já morreram.  Não será este o tempo no qual finalmente vamos conseguir correr atrás das nossas próprias ambições, dos nossos próprios sonhos e das nossas próprias necessidades?
A raiz da palavra aposentadoria em inglês- retirement - é “retirar”. Se o assunto for dinheiro, retirar é a nossa palavra preferida. De outra forma, pode esquecer. Já nos retiramos nas reuniões dançantes dos tempos de colégio, quando ficávamos sentadas, tímidas e sozinhas encostadas na parede. Agora vamos dançar, com ou sem alguém nos convidando. A timidez foi superada a tal ponto de enfrentarmos com coragem o palco e o público deste Cine-Teatro, depois de quatro meses de ensaio.
E agora que temos o tempo que não tínhamos na nossa juventude, realizamos mais um dos sonhos interrompidos, dançando ritmos “calientes” latinos, com muito orgulho, raça, sensualidade, garra, leveza, graça, e vigor físico de causar inveja aos mais jovens.
É claro que agora temos limitações que não tínhamos aos 20 anos, mas mesmo assim, graças às adaptações e ao esforço, carinho, dedicação e atenção dos educadores sociais da Oficina de Dança do Centro de Convivência do Idoso do Sandra Regina Edison Salles e Maria Marli Kühl, superamos todas as barreiras, conquistamos o aplauso dos nossos familiares, amigos, comunidade e alimentamos a nossa auto-estima.
Quase todos os ritmos latinos, com exceção da salsa e do tango, nasceram da mistura de danças e ritmos herdados da Europa e da África. Essa história começou na França de Luís 14(1643-1715). Dos animados bailes promovidos por ele no Palácio de Versalhes, a contradança francesa - uma espécie de quadrilha que divertia os nobres da época - foi importada pela corte espanhola e depois rumou para colônias no Caribe, como Cuba, Haiti e República Dominicana. A outra grande influência na criação dos ritmos caribenhos veio dos escravos que os colonizadores traziam da África para a América. Das tribos africanas, dois grandes grupos étnicos foram especialmente explorados como mão-de-obra: os bantos e os iorubás, que habitavam regiões onde ficam hoje Nigéria e Camarões. Além da força de trabalho, os primeiros africanos que chegaram ao Caribe trouxeram seus tambores e danças religiosas.
No século18, escravos da região começaram a unir essas várias heranças culturais, criando a contradanza criolla, que misturava a contradança européia com instrumentos musicais e expressão corporal de origem africana. A partir de meados do século19, uma das colônias que se destacaram pela riqueza dos novos ritmos produzidos foi Cuba, que logo se tornaria a principal exportadora de sons e danças caribenhas. Isso porque, além da variedade rítmica ali desenvolvida, o país também atraiu um grande número de turistas dos Estados Unidos até a primeira metade do século 20. "A cultura popular cubana foi muito divulgada com a ajuda do cinema e dos americanos antes da revolução que levou Fidel Castro ao poder em 1959. E, depois disso, passou a ser muito pesquisada", diz a percussionista Glória Cunha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A partir daí, os estilos latinos se espalharam.
Temos 60 anos ou mais... A cortina está subindo no terceiro ato e, se ainda não aconteceu muita coisa perdemos a platéia. Sigamos a música. Se não fomos ouvidos, cantemos e dancemos. Se estivermos imóveis, é hora de nos mexer.
Com mais de 60 anos, crescidos, e agora estamos recomeçando. Qual seria a média de quilometragem em anos humanos? Mais ou menos 6 mil e 500 quilômetros por ano? Se for, eu estou com 403 mil quilômetros. Eu faço o rodízio dos pneus, faço regulagens periódicas e, às vezes, troco o pára-brisa. Estou rezando para a bateria durar.
Sessenta e dois anos? Nem pensar. Estou retrocedendo o meu odômetro.
Texto lido na 8ª Mostra de Dança da Oficina de Dança do Centro de Convivência do Idoso do Sandra Regina por Véra Regina Friederichs hoje à tarde no Cine-Teatro x de Novembro, em São Francisco do Sul







Nenhum comentário:

Postar um comentário