Ooooooooopa. Chegamos lá.
Aos sessenta, setenta, oitenta... Um quebra-molas, o primeiro que notamos. Não nos diga para desacelerarmos. Se
mudarmos o caminho, será por decisão nossa. Sexagenários, mas ainda
desaforados. Hummmmmmm. Que outras
palavras nos definem e nos inspiram? Se pedíssemos a cada um dos idosos metidos
a bailarinos que tiveram a coragem de subir neste palco hoje, como nós, para
pensarmos em apenas uma palavra ou inventar uma que descrevesse nossos sentimentos
ou ambições para esta fase das nossas vidas, o que será que responderíamos?
Com mais de 60 anos,
crescidos, e agora somos... Jovens, subversivos, engraçados, qualificados,
velozes, simples, pacientes, tolerantes, divertidos, serenos, espetaculares,
satisfeitos, fortes, os mesmos de sempre, altivos, sensuais, puro sentimento,
serenos, profetas, espontâneos, teimosos, seletivos, explosivos, robustos,
seguros, egoístas, brigões, solteiros, importantes, sóbrios, experientes,
suaves, bobos, otimistas e sabemos que um emprego deve ser abandonado quando se
torna apenas um emprego: que o dinheiro virá, embora nunca o bastante e a
tempo, que muitas coisas são tóxicas para a saúde, ainda que - flores, boa
comida, música, dança e vinho – sejam
pura alegria.
Entre nós, os bailarinos
amadores do Centro de Convivência do Idoso, encontramos casados com a mesma
pessoa há 40 anos; casados várias vezes com várias pessoas, separados ou divorciados;
viúvos, solteiros por opção e solteiros dispostos a mudar seu estado civil. O
grupo inclui avós e bisavós, homens e mulheres sem filhos, que decidiram dedicar-se
mais à carreira profissional, ou que não puderam tê-los mesmo. Os passos de
dança que vimos neste palco são de aposentados na maioria, que optaram na idade
mais produtiva em trabalhar como operários, no comércio, serviço público, como
donas de casa, artistas, artesãos, professor, soldador, cabeleleiro, enfermeiro,
assistente social, turismóloga, jornalista e outras profissões liberais.
Nós mulheres, que nos
apresentamos hoje, chegamos à maioridade no final da década de 50 e 60 e
tivemos um papel importante e inovador na sociedade em que vivemos,
conquistando muitos direitos que agora são exercidos pelas nossas filhas, netas
e bisnetas, que nossas mães e avós sequer ousaram sonhar. Para chegarmos ao
século 21 em postos de trabalho, antes só reservados aos homens lutamos muito. Protestamos
nas ruas, fizemos passeatas, vivemos em comunidades, estudamos, nos tornamos
independentes. O movimento feminino nos
desafiou, nos ameaçou e nos inspirou. Algumas de nós subiram no carrossel da
carreira vestindo ternos azul-marinhos e laços vermelhos no pescoço e fomos à busca
de oportunidades de ouro; outras percorreram
o caminho mais tradicional, escapando apenas às vezes para participar de
recepções sociais, ou permanecendo em casa. Em ambos os casos cumprimos e muito
bem com os nossos papéis e buscamos a felicidade, à nossa maneira.
A virada dos 60 anos traz a
homens e mulheres lições de vida e observações que são inteligentes,
bem-humoradas, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo, e sempre nos fazem
refletir.
Quando mais jovens, tínhamos
uma lista. Era composta de sonhos e planos sem fim - projetos pessoais e
criativos que realizaríamos quando não tivéssemos mais empregos que nos ocupassem
das oito às sete horas. Não há mais pressão para apoiar a ambição dos nossos
companheiros e os sonhos dos nossos filhos. Nossos pais já morreram. Não será este o tempo no qual finalmente
vamos conseguir correr atrás das nossas próprias ambições, dos nossos próprios
sonhos e das nossas próprias necessidades?
A raiz da palavra
aposentadoria em inglês- retirement - é “retirar”. Se o assunto for dinheiro,
retirar é a nossa palavra preferida. De outra forma, pode esquecer. Já nos
retiramos nas reuniões dançantes dos tempos de colégio, quando ficávamos
sentadas, tímidas e sozinhas encostadas na parede. Agora vamos dançar, com ou
sem alguém nos convidando. A timidez foi superada a tal ponto de enfrentarmos com
coragem o palco e o público deste Cine-Teatro, depois de quatro meses de
ensaio.
E agora que temos o tempo
que não tínhamos na nossa juventude, realizamos mais um dos sonhos
interrompidos, dançando ritmos “calientes” latinos, com muito orgulho, raça,
sensualidade, garra, leveza, graça, e vigor físico de causar inveja aos mais
jovens.
É claro que agora temos
limitações que não tínhamos aos 20 anos, mas mesmo assim, graças às adaptações
e ao esforço, carinho, dedicação e atenção dos educadores sociais da Oficina de
Dança do Centro de Convivência do Idoso do Sandra Regina Edison Salles e Maria
Marli Kühl, superamos todas as barreiras, conquistamos o aplauso dos nossos
familiares, amigos, comunidade e alimentamos a nossa auto-estima.
Quase
todos os ritmos latinos, com exceção da salsa e do tango, nasceram da mistura
de danças e ritmos herdados da Europa e da África. Essa história começou na
França de Luís 14(1643-1715). Dos animados bailes promovidos por ele no Palácio
de Versalhes, a contradança francesa - uma espécie de quadrilha que divertia os
nobres da época - foi importada pela corte espanhola e depois rumou para
colônias no Caribe, como Cuba, Haiti e República Dominicana. A outra grande
influência na criação dos ritmos caribenhos veio dos escravos que os
colonizadores traziam da África para a América. Das tribos africanas, dois
grandes grupos étnicos foram especialmente explorados como mão-de-obra: os
bantos e os iorubás, que habitavam regiões onde ficam hoje Nigéria e Camarões.
Além da força de trabalho, os primeiros africanos que chegaram ao Caribe
trouxeram seus tambores e danças religiosas.
No século18,
escravos da região começaram a unir essas várias heranças culturais, criando a
contradanza criolla, que misturava a contradança européia com instrumentos
musicais e expressão corporal de origem africana. A partir de meados do século19,
uma das colônias que se destacaram pela riqueza dos novos ritmos produzidos foi
Cuba, que logo se tornaria a principal exportadora de sons e danças caribenhas.
Isso porque, além da variedade rítmica ali desenvolvida, o país também atraiu
um grande número de turistas dos Estados Unidos até a primeira metade do século
20. "A cultura popular cubana foi muito divulgada com a ajuda do cinema e
dos americanos antes da revolução que levou Fidel Castro ao poder em 1959. E,
depois disso, passou a ser muito pesquisada", diz a percussionista Glória
Cunha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A partir daí, os estilos
latinos se espalharam.
Temos 60
anos ou mais... A cortina está subindo no terceiro ato e, se ainda não
aconteceu muita coisa perdemos a platéia. Sigamos a música. Se não fomos
ouvidos, cantemos e dancemos. Se estivermos imóveis, é hora de nos mexer.
Com mais
de 60 anos, crescidos, e agora estamos recomeçando. Qual seria a média de
quilometragem em anos humanos? Mais ou menos 6 mil e 500 quilômetros por ano?
Se for, eu estou com 403 mil quilômetros. Eu faço o rodízio dos pneus, faço
regulagens periódicas e, às vezes, troco o pára-brisa. Estou rezando para a
bateria durar.
Sessenta
e dois anos? Nem pensar. Estou retrocedendo o meu odômetro.
Texto lido na 8ª Mostra de Dança da Oficina de Dança do Centro de Convivência do Idoso do Sandra Regina por Véra Regina Friederichs hoje à tarde no Cine-Teatro x de Novembro, em São Francisco do Sul
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